Friday, June 23, 2006

 

CONFINS DO HÍFEN - CONCLUSÃO


Com vários interlocutores em acção simultânea mais longe se fica de uma compreensão rigorosa. Imaginemos um emissor a elaborar um discurso sobre a Lua e sobre raios gama. Um receptor analfabeto no assunto, isto é, um indivíduo que possua registos diminuídos sobre a questão compreenderá pouco ou nada sobre aquilo de que se trata. Para que compreenda precisa completar os registos ao nível do primeiro. Sem equivalência de RBIP os discursos serão distintos. A compreensão também será distinta. Se utilizarmos a metalinguagem como auxiliar no acto de entender é porque, naturalmente, fica demonstrada a diferença de registos. O conhecimento adquirido e depositado num determinado registo produz um discurso próprio e distinto . Suponhamos dois homens saudáveis. Um possuidor de pernas longas e o outro de pernas curtas. Se os pusermos a correr lado a lado verificaremos que um se distancia do outro. Isto é, o homem de perna longa afasta-se mais depressa do ponto inicial da partida. O homem de perna curta não tem a liberdade de correr como o homem de perna longa. (Estamos a pensar de condições idênticas...) Cada corredor é a perna que possui. Um corredor salta mais do que o outro. O que não consegue saltar que liberdade tem de saltar? Nenhuma? Alguma? Que se diz do salto dele? Que não salta? Que salta pouco? Quando se treina o cérebro para resolver certas questões, que resultados se obtém quando comparados com outros não treinados? “Fabricam-se” cérebros mais bem preparados do que outros. Haverá diferenças na forma de pensar entre os que foram entre os que foram treinados e os que não foram? O acto de pensar é-lhes comum, mas não o que os pensamentos significam. Estes são distintos, uma vez que foram treinados para actuarem de forma distinta. Para um mesmo texto e perante dois interlocutores dá para perguntar: o que é que leste que eu não li? Será que as relações surgem já possuidoras dos princípios
racionais ou moldam-se a estes princípios incrustados nos mecanismos cerebrais? Como coloco as imagens por ordem e como é possível relacioná-las? As imagens como impressões não se apresentam ordenadas. A ordem surge depois. A ordenação das impressões pertence a um outro momento. Relacioná-las é o momento que se segue . Só se pode relacionar o que é dado como anterior. Seria ingénuo pensar-se o contrário. Sabe-se que tanto as impressões como as relações “passeiam-se” nos canais cerebrais. Posteriormente, juntam-se para por efeito fazerem sentido. Vamos relacionar. O quê, pergunta-se? Se no determinado momento em que recebemos impressões e nos preparamos para as relacionar a nossa atenção for desviada para outra questão, a acção de relacionar fica para depois. E fica para depois por ordem de outros interesses. Isto quer dizer que tanto as impressões quanto o seu relacionamento podem ser “manipuladas” . Não são auto-suficientes: elas circulam “empurradas” nos canais cerebrais. Será que o pensamento pode ser empurrado, manipulado, suspenso? Poderemos manipulá-lo, alterando os focos de interesse? A prática confirma-o. Quando se desfocaliza um assunto que se está a tratar, apresenta-se-nos um cérebro actuante por si próprio ou ele obedece a outrem? O cérebro interage. É cúmplice do que se passa! As impressões não têm dono. Porém, quando surgem por solicitação, o cérebro actua de imediato. É auto-sugestionado? Parece ser dono da sua própria actuação! Em princípio, estando sempre atento ou em vias disso, ele é a par com o sujeito uma peça importantíssima. É tão importante que a corrente de consciência é uma coisa e o sujeito que a detecta, é outra. Eu temo o cérebro! Porquê? Porque ele pode-me pregar partidas. Ele interfere comigo. Até que ponto, não me arrasta ele para a sua decadência? Quantas vezes não é o cérebro o senhor da situação? Pelo menos, a nível de expressão oral, exemplos não faltam. O cérebro organiza a expressão oral. A quem cabe tal organização a não ser ao cérebro? Se fosse só o sujeito a organizar o pensamento, não seria só ele o responsável pelos desvios deste? Que tipo de sujeito é este que se deixa desvirtuar voluntariamente? Umas vezes temos o cérebro a desregrar (por defeito), outras o sujeito. O sujeito é mais fraco do que o cérebro. E porquê? Porque nem sempre o cérebro lhe obedece e porque outras vezes é o cérebro a conduzir o comportamento supostamente independente do sujeito. Quando o sujeito se “distrai”, ele transforma-o em bonifrate. Quando é que o pensamento é apenas fruto do cérebro e quando é que ele é apenas a vontade do sujeito? O pensamento do homem é filtrado pelo cérebro! Será o cérebro o juiz ou deixa passar o pensamento tal qual o sujeito o elabora? Nunca o pensamento é pensamento sem a ajuda do cérebro. Por essa razão se ele ao elaborar o pensamento pratica censura ou desvios nunca o poderemos saber. O homem pode afirmar-se livre e até ser capaz de não aceitar qualquer tipo de manipulação. Muito bem! Então, veja se é capaz de o fazer do lado de fora do cérebro? Veja se consegue torná-lo puro? Não pode! Pensamento puro só pode ser entendido por outro pensamento puro e sem intermediários. Utilizado pelo cérebro o pensamento deixaria se ser puro porque o cérebro não é puro. O pensamento é recheado de acidentes a partir do momento em que é produzido por uma máquina biológica que o molda e o transforma. As impressões(RBIP) referentes a um mesmo objecto podem variar de cérebro para cérebro. São instáveis porque se enriquecem ou deterioram-se consoante adquirem mais conhecimentos ou pelo desgaste do cérebro. Penso que depois disso só poderemos falar em pensamento cerebral. Partindo deste pressuposto, onde colocar a liberdade da linguagem? Quanto dessa linguagem pode ser livre se ela é moldada pelo cérebro? Poderá a linguagem humana fugir a este esquema? Só um homem criado por outro homem poderá ser livre, porque estando programado para a liberdade, a sua vida apresenta esta opção sempre. Ao passo que o homem em geral que se afirma livre, tem de justificar porque é livre. Encontra-se, por vezes, em contradição. Não é livre! É suspeito de ser livre. O autómato, esse sim, é livre e nunca deixará de o ser. Só tem “consciência” para a liberdade que lhe é imposta como modelo. Que tipo de pensamento só se pensa acompanhado? Que interessa: a causa ou a consequência do pensamento? O princípio? Se o pensamento tem uma causa, por que razão se distorce? A distorção é a consequência. A causa não pode ser única! Tem de haver causa dupla! Causa dupla? A liberdade é uma causa dupla? Em que liberdade me situo? E se tudo provém de uma causa dupla? Então, o meu discurso é um duplo. É uma distorção! Será o meu cérebro um duplo? Não me faz ele pensar mais do que uma maneira tendo em conta o mesmo objecto de análise? E, para com as mesmas questões, sei por experiência própria que ele sugere mais do que uma perspectiva. Serei eu capaz de o corrigir? Ele faz dos dados que recebe o que muito bem entende! Quando sou induzido no erro pelas interpretações que ele faz, como posso ter a certeza que sou eu mesmo quem o detecta? Não é ele que possui os instrumentos de distinção para o fazer? Será que falo pela máquina? Será que é ela que me interpreta para fora de mim? Estar fora de mim é estar dentro da máquina? Quando poderei ser sem cérebro?
FIM
manuel melo bento

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