Friday, June 09, 2006

 

CORPO E ALMA - conclusão com corrigenda


DEDICO ESTE DIÁLOGO A TODAS AS CATEQUISTAS QUE NA SUA BOA FÉ ME ESTRAGARAM AS MANHÃS EM QUE PODIA ESTAR A DORMIR.

I

DEUS E O OUTRO

-O Senhor não sente dificuldade em definir-se sexualmente?

-Filho e Criatura! Eu estou acima dessas parvoíces.

- A questão é simples! O Senhor é macho ou fêmea?

-Houve gente que Eu criei que fez confusão acerca da Minha sexualidade. Eu estou acima do sexo!

-Senhor, se Tu não és nem macho nem fêmea, como é que engravidaste uma rapariga séria, inocente e virgem?

- Eu cá tenho os meus processos.

-O Senhor não acha que falando quase todos os dias com os judeus, que foi um desperdício reencarnar – passe o termo – na criança de um tal Jesus? Filho, repito, de uma mocinha virgem e ingénua que Tu engravidaste utilizando estratagemas pouco naturais, o que contribuiu para ofender o noivo que apesar de já estar casado com outra lhe estava prometida?

-Ouve, criatura devassa! Tratou-se de um processo santificado.

-Senhor, Tu não achas que cometeste estupro? Sabias que se tivesses sido apanhado na América do Norte, nos dias de hoje, serias julgado e condenado por esse crime?

-Filho, eu tinha de salvar a Humanidade que estava perdida de todo!

- Convém dizer que o Senhor faz cada uma. Diga-me uma coisa, por favor. O que é que tinha na cabeça quando criou o tesão?

-Tem-Me dado cá um certo gozo!

-Disseram-me que o Senhor criou o homem à Sua imagem e semelhança. Confirma?

- Uma verdadeira calúnia! Meu Filho.

II

- Um homem formado em medicina e outro em engenharia, o que são?

- Um médico e um engenheiro.

- Um pensamento formado pela razão o que é?

- Um pensamento racional.

- Se um pensamento não disser coisa com coisa, o que é que achas que é?

-Um pensamento irracional. Não racional.

- Um médico para que serve?

- Para curar quem estiver doente.

- E se não conseguir fazê-lo?

- É um mau médico.

-Por que razão não o chamas um “desmédico”, um não médico?

- Não faz sentido, pois ele continua a ser médico.

- O pensamento que “sai” da razão e não corresponde ao nosso desejo de compreensão o que será?

- Por esta ordem de ideias será um pensamento mau racionalmente falando.

-Se eu pedir a um engenheiro que me construa uma ponte que ligue o planeta Terra ao planeta Marte utilizando para o efeito apenas areia solta, o que te parece que ele dirá?

- Isso, meu caro, é impossível de realizar. É humanamente improvável.

- E se pedires a um médico que te crie uma alma humana e que a coloque num frasco?
- Ora bolas! O médico mandar-me-ia analisar no quadro das doenças mentais.
- Gosto imenso de conversar contigo.
- Porquê?
- Porque nos entendemos.
- Ainda bem!
- Diz-me uma coisa, Tu és capaz de criar um triângulo que seja quadrado?
- Não, porque o que se convencionou ser triângulo não encaixa na ideia de quadrado. Isso é uma má razão, no sentido do que atrás falámos.
- Agora, imagina-te a conversar com um médico que te diz ter conseguido criar uma alma humana e que depois a encerrara num frasco.
- O frasco do Aladino?
- O que é que pensavas disso?
- Para já duvidava! E depois pedia-lhe uma demonstração.
- E se ele te levasse ao seu laboratório e te demonstrasse por palavras dele mesmo que aquele frasco, que parecia vazio, continha uma alma. Como reagias?
- Ficava de pé atrás! Achas- me com cara de parvo?
- Não! Agora, imagina-te a ouvires a Irmã Lúcia, a vidente de Fátima. Acreditas nela?
- Tu és um sacana! Isso é coisa que diz respeito à religião!
- Queres desistir ou queres continuar a conversar?
- Eu aguento. Continua.
- Suponhamos que o judeu Moisés falava contigo e te dizia: " Olha, meu caro. Eu, ontem, à tardinha, falei com Deus como de costume. Ele manda-te cumprimentos e disse para não te esqueceres de entregar o próximo carneiro pascal mais gordo e tenrinho."
- Moisés é uma figura sagrada do Velho Testamento. Milhões de pessoas acreditam nele e por ele dão a vida.
-Está escrito que ele falava directamente com Deus.
- Coisas relacionadas com o sagrado.
- Acreditas ou não?
- Acredito!
- Existem homens em quem tu acreditas e outros não?
-Acredito nos santos. Não são pecadores.
- Obrigado! Moisés, sendo muito íntimo do Senhor, devia ser muito santo?
- Sim!
- Lembras-te de quando ele matou um egíocio?
- Isso foi antes de Deus lhe ter ditado os Dez Mandamentos.
- Obrigado! Vamos mudar de conversa. Eu entendo que o que sou e está na base do meu ser é a consciência do momento presente, a consciência do que foi o momento passado e a consciência do que provavelmente penso ser o momento futuro. Uma consciência em permanente recomeço e reconstrução que caminha tão atinadamente quanto um homem num campo minado se dirige nele como se possuísse um mapa de localização daqueles perigosos instrumentos de morte. Que esta consciência se recria através de um discurso próprio. Verbalizada por um Eu que não é mais do que um moço de recados.
- Vamos por partes! Diz-me onde colocas tu o cérebro nesta frangalhada?
- O cérebro é uma máquina biológica utilizada pela consciência que a usa e faz com que ela não perca a sua dimensão humana.
- A consciência existe fora do cérebro?
- Daquilo sobre o que nada sei não me ponho a inventar. No entanto, eu posso, se quiser, enganar a consciência de alguém retirando do seu cérebro uma zona que determine uma função específica. Tal como se eu, de noite, ao conduzir um automóvel, fosse enganado por alguém que me desligasse a luz dos faróis. Se eu continuasse a conduzir, iria , de erto, cometer erros de posicionamento. Tenho consciência disso.
- Nesse caso, o cérebro para ti é um bom ou mau auxiliar?
- É isso. À medida que estragas o cérebro, verificas dificuldade em comunicar com o exterior. Há casos que demonstram que o cérebro uma vez recuperado, através de operações cirurgicas, a consciência volta a tomar conta do automóvel, perdão, da situação.
- Em que ficamos? A consciência existe ou não fora do cérebro?
- Eu sei que ela se diminui com estragos feitos no cérebro. E também sei que recupera da diminuição quando "arranjada". Qual o processo de entrada da consciência nos circuitos cerebrais? Para já, não sei responder.
- És um ignorante?
- Não tenhas dúvidas!
- Dissipadas que foram as minhas dúvidas acerca do teu saber, não estejas a fugir com o rabo à seringa. Foi com elas que iniciámos este banho turco à micaelense.
- Banho turco?
- Sim! Debaixo deste Sol e rodeados com tanta humidade... Disseste que o Eu era um encarcerado e depois chamaste-o de criado de voltas...
- Vou levantar uma série de questões ao calhas para ver se consigo distinguir o Eu da consciência. Não te importes com as respostas. Vê se consegues edificar algo racional. Primeiro penso a conciência ou o Eu? A consciência pensa-se? A consciência pode libertar-se do pensamento? O pensamento liberta a consciência? Quem observa a consciência? O que separa a consciência do pensamento? A consciência e o pensamento são Eus? Quando um homem sofre de doença mental, o que é preciso curar primeiro o Eu ou a consciência?O corpo humano é pertença do Eu ou da consciência? O que é que se identifica mais com a forma, o Eu, a consciência ou o pensamento? Que diferença existe entre uma conscência sensível e um Eu sensível? O que é que está mais ligado aos prazeres, o Eu, a consciência ou o pensamento? O que é que é mais passivo: o Eu ou a consciência? Quando acordo, quem tem mais lucidez: a consciência ou o Eu? Entre a consciência e o Eu, quais dos dois caminha para a reprodução? Se eu dividir a conciência com o que é que eu fico? Quem primeiro topa o medo? Perante uma apetência sexual qual dos três - pensamento, Eu e consciência - responde com maior intensidade? Quem sofre mais com a impotência? O Eu ou a consciência? Comer bem é pertença do Eu ou da consciência?
- Responde se quiseres. Que eu já me calo com tanto disparate.
- Voltemos à questão da razão. Quando o médico de que falámos no início deste diálogo perante a questão de criar uma alma encarcerada num frasco disser que isso não é da responsabilidade de a ciência ser capaz de realizar tal ideia e se ainda disser mais, como por exemplo, não serem os homens capazes de tal façanha, mas sim outro tipo de ser ou seres, não achas que pensa bem?
-Digo que está a ser lógico dentro do possível.
- Óptimo, É dentro da sua lógica que ele se limita, percebe, raciocina e situa-se perante o problema em discussão. Quando a consciência ao utilizar uma lógica, um raciocínio, um pensamento sobre questões de ordem incomum - como seja as que envolvem o Criador - perceber que existem coisas que ela não pode elaborar nem sequer referir com acerto, o que é que achas que é preciso? Antes de responderes, lembra-te do que disse o médico: outros seres... que resolvam a questão...
- Já sinto que queres mamar. Isto é, queres que diga que esta consciência, esta razão, este pensamento terão de ser substituídos por alguma coisa que possa resolver este inigma do Deus Criador.
- Admites a possibilidade de a razão ser incapaz de ter objectividade em certas ocasiões?
- Nada impede que procure ser objectiva sem o conseguir.
- Ainda bem que admites que a razão é limitada. Se ela não serve para dar respostas aos nossos anseios, devemos substituí-la. Não achas?
- Por o quê?
- Não sei! Ajuda-me.
- Vamos substituir a razão por outra coisa?
- E por que não?
- Não sei!
- A alguma coisa conseguimos chegar. A razão não é universal.
- Outra vez essa conversa!
- Não combinámos que a iríamos substituir?
- Sacana!
- Se vamos substituir uma coisa que julgávamos ser capaz de nos levar a pensar bem e que depois verificámos que não é tanto assim, sejamos coerentes.
- E se não tivermos alternativa?
- Por enquanto, não temos alternativa.
2006
FIM
mmb
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