Saturday, July 28, 2007
CRÓNICA DE UM AÇORIANO EM LISBOA
ROTEIRO DO BURACO
Cheguei a Lisboa há já uns dias. Trouxe comigo aqueles livros - que nunca termino -, roupa e a carroça puxada a motor de explosão. Reinstalei-me na capital portuguesa por diversos motivos. O principal foi o de querer acabar os meus dias determinado a pôr os neurónios a trabalhar, pois, para descansar estou eu em primeiro lugar… Não conduzia em Lisboa vai para uns trinta e tal anos. Estou a adaptar-me! Para chegar a Alcântara vindo da Gulbenkian tomei o caminho de Setúbal e na volta entrei pela via verde na Ponte Salazar/25 de Abril com sirene e tudo o que para aí vem de multas. A minha vingança foi entrar num quiosque e pedir muito delicadamente o mapa dos buracos de Lisboa. A logista julgou tratar-se de um lugar que dá pelo nome de Buraca… Bom. Não existem mapas de buracos? Então, faço-os eu! A foto que ilustra este texto é o resultado de uma pequena investigação com a qual procurarei, mais tarde, fazer um doutoramento. Inédito? Lá isso é! Para além do mais, é útil que se farta. Por exemplo, na rua Jau, para os lados de Santo Amaro, temos um buraco à fundamentalista. Mede de raio 72 cm e de fundo 17. Está lá para durar. Pensei dar nome aos “mais” côncavos. Porque o senhor Salazar já morreu, optei pôr denominá-lo de “Buraco da Liberdade”. E vai ser assim daqui para a frente. Entrou o Verão com muito sol e securas. Os políticos machos desapareceram a caminho de merecidas férias. Só se vêem mulheres em seu lugar. Assim miss Ana Drago muito retocada, parecendo sair de uma passarele, debatia-se com a senhora de Nogueira Pinto (no tempo da delicadeza eram assim designadas as mulheres da sociedade). Fiquei a saber que o BE tinha apresentado trezentas e tal propostas no Parlamento. Aquilo é que foi trabalhar! A arquitecta Roseta anda no ar, nos jornais e revistas que dá gosto ver. Ela diz representar a Voz do Cidadão. A voz do cidadão tenho eu ouvido quando atrás de mim apitam e chamam nomes. Que devolvo em micalês ou alemão dos livros. Dei conta de mais duas senhoras da política de substituição ou de Verão, porém, esqueci os seus nomes. Ia-me esquecendo, também, da entrevista do Primeiro-Ministro. Está muito bem preparado ou então as entrevistas são forjadas em encomenda. Tem os números todos na cabeça. E que cabeça! Penso que mandou um recado a Alberto João Jardim por causa do aborto. “É uma Lei da República e a RAM tem de a cumprir!” Jardim, desta vez não tem razão. Pois não provocou ele eleições por causa do incumprimento do Governo Central acerca dos montantes que a Madeira estava habituada a receber da República? Jardim caiu nas suas próprias contradições a Bem da Madeira. É que se as madeirenses e os seus copuladores votaram Não, não fazem abortos, por que razão há-de ele (Jardim) dizer que não paga abortos se não há abortos a pagar? Não percebo! Será que dizem que não abortam e às escondidas (como de costume) desmancham os fetos nos vãos de escada? O sempre-baixinho (Marques Mendes) vai a votos contra o choramingas do Norte (conde Filipe de Menezes). Mas que importância tem o facto, neste Verão tão biquinista? A banhos malta, que o calor aperta e as loiras de baba branca são, agora, mais do que nunca, muito apetecíveis!
manuelmelobento
Açoriano radicado em Lisboa
Saturday, July 21, 2007
O CRIME E A ESTRATÉGIA DA PRAIA DE TODOS OS CÃES
Esta sensação de que Portugal está a inclinar-se nota-se pelo modo como os portugueses que vivem na Europa se pronunciam, quer através do voto (intercalares de Lisboa, por exemplo) quer através de conversas de café. Inclinar-se para onde? Ah, isso queria eu saber! Mas, vamos inventar um pouco. Pode ser que acerte. O namoro que o Primeiro-Ministro, há tempos, vem fazendo a Espanha, nas vésperas de o País “governar” a União Europeia, tem uma linha inteligente (politicamente falando, está claro). O nosso caminho é Espanha parecia querer dizer. Portugal visto ao longe é como o Chipre. Estão a ver o Chipre a governar a União Europeia? Claro que não! Os cipriotas sentir-se-iam ridículos se metessem tal ideia na cabeça. Eles farão o que lhes disserem para fazer – quando chegar a sua vez - e nada mais. Sócrates - que não é parvo - quis dar a volta ao texto. Como o fez? Concertadamente! Namora a Espanha para ficar mais forte ( “eles” confundem-nos com os “nuestros hermanos”. Qualquer mulher sabe que fica muito mais protegida com um noivo rico do que se se envolvesse com um sindicalista a tempo parcial. Passa a ser muito mais respeitada e até o merceeiro (substituído nos tempos modernos pela Banca) lhe dará mais fiado e muito mais alegremente. Indícios que nos entram pelos olhos adentro: a vinda sorrateira do Rei de Espanha e as bocas do senhor Saramago, o Nobel. À Espanha convém governar duas vezes a União. Fá-lo quando Portugal estiver no pelouro e repete a dose quando estiver à vez. Uma estratégia de gritos. Sócrates jogou bem: mais vale um pato no prato do que uma lagosta na montra do Gambrinus. O mundo dá muitas voltas, mas Portugal parece uma ventoinha. Só gostaria de ouvir o que disse o Rei da Península Ibérica ao Prof. Cavaco. Quanto às bocas de Saramago - todo aberto à Espanha -, acho que dava para perguntar a ele e ao partido que lhe permitiu confeccionar um prémio de escrita porque é que chamavam fascistas aos açorianos que se inclinavam para a América dos dólares. É que agora, por causa dos euros, a intenção parece a mesma ou idêntica. Com perdão da lógica clássica e dos seus princípios irredutíveis, claro está.
manuelmelobento
(Açoriano radicado em Lisboa, ainda Portugal…)
Sunday, July 08, 2007
ACHO-TE UMA GRAÇA! – 2
BUFOS
Depois de terem, descabeçadamente, colocado o País à beira de uma guerra civil, os agora empresários e ex-esquerdistas – perigosos guedelhudos – criaram uma entidade a que deram o nome de Comissão de Extinção da PIDE/DGS. Sabia-se que havia nos “escritórios” daquela organização à volta de um milhão de fichas de informação sobre cidadãos portugueses. Ora, sabia-se, também, que a soma de todos os funcionários daquela polícia política não ascendia em número umas escaças centenas deles. Como era possível haver um tão grande ficheiro sobre actividades político, sexual e religiosas de tanta gente (10 milhões) com tão poucos funcionários? Que pergunta infantil a minha! Eram os bufos, meus caros leitores! Um em cada dez portugueses era bufo no mínimo! Tanto assim era que, quando se prenderam sem culpa formada os ditos “pides”, esqueceram-se deliberadamente de actuar do mesmo modo contra os seus acreditados adjuvantes. As cadeias eram poucas e não havia família portuguesa que os não tivesse. Isto inclui familiares dos chamados heróicos capitães de Abril e não só. Não só, isto é, famosos esquerdistas tinham lá a sua quota de família. Cala-te boca! Os “pides” foram os únicos culpados… uma espécie de bode de expiação. Dava jeito. E a “revolução” seguiu os seus trâmites de legalidade revolucionária. Os ficheiros foram inteligentemente desviados da curiosidade dos jornalistas e quejandos. Nem tão cedo podemos lá meter o nariz. Por acaso, eu gostava de poder ler a minha ficha. É que cometi um crime “grave” e outros mais levinhos, o que fez com que eu para ter acesso a um lugar na função pública tivesse de esperar três meses pelo consentimento da PIDE. E, se não fosse uma boa cunha, só depois do 25 de Abril é que teria sido aceite como funcionário do Estado. O bufo era nosso amigo, nosso familiar, nosso professor, nosso catequista, nosso empregado, nosso patrão, nossa prostituta, nosso funcionário público, nosso padre, nossa namorada, nosso presidente da junta, nosso garboso oficial do exército, nosso sargento, nosso merceeiro, nosso botiqueiro, nosso taxista, nosso atleta, etc. Como é que a PIDE sabia tanta coisa? Desde 1974, não creio que tenham morrido todos. E quantos já nasceram depois disso? Oh, tantos! Todos os países têm os seus bufos. Mas nós exagerávamos. Éramos um país cheio de bufos. Nos dias de hoje, eles estão aí entre nós como “antigamente”. Como vivemos numa espécie de democracia, alguns desses grandes filhos de puta até dão a cara. O que é preciso é termos cuidado, porque eles, em qualquer regime em que vivamos destroem a nossa vida num ápice. É tempo de termos contenção na linguagem e escolhermos melhor as nossas amizades. É triste, nos dias de hoje, termos de pensar deste modo, mas é a única solução, por enquanto. Isto é, enquanto não tivermos a lista dos bufos oficiais e particulares para a publicarmos nos meios de comunicação social imitando outros desígnios que por aí proliferam não viveremos em paz. O pior é que nos tornaremos os bufos dos bufos. Será?
manuelmelobento
Wednesday, July 04, 2007
ACHO-TE UMA GRAÇA - I
Quando em miúdo entrava na antiga secretaria notarial de Ponta Delgada para tratar de assuntos familiares a mando de meu pai, encontrava sempre num banco corrido, encostado à parede de uma sala de espera, uma dúzia de mulheres de grandes saias, de lenço na cabeça e cobertas com um xaile preto. Quando, com a minha curiosidade infantil, quis saber o que elas ali faziam, responderam-me que tinham vindo de fora da cidade para reconhecer assinaturas. Sentavam-se na parte da manhã e quando não se conseguiam despachar não tinham outro remédio senão voltar à tarde para mais uma longa espera. Quando a secretaria fechava para a hora do almoço elas iam para a rua e aproveitavam esse intervalo para meterem uma bucha trazida de casa e em pequenas cestas. Como elas tinham necessidades fisiológicas, tanto quanto as senhoras da cidade, era-lhes difícil “arranjarem-se” a não ser nos urinóis do Campo de São Francisco que ficavam muito longe do local onde se encontravam. Muitas delas, perdidas na geografia da “grande cidade” aliviavam-se no Largo de Santo André, paredes meias com o Museu Carlos Machado, que ao tempo era de terra batida e ficava muito mais à mão. Cheguei a ver as “velhas” da janela da casa de meus pais a urinarem de pé. Faziam das saias uma espécie de biombo e numa imitação muito tosca da rica ginástica sueca lá se aliviavam. No Verão, o cheiro que exalavam à tarde na sala perdida do notário era parecido com aquele ar pestilento que rodeava o urinol do Campo de São Francisco – Praça da República de seu nome oficial. Quando o chefe da secretaria estava mal disposto – o que era usual – as pobres mulheres lá tinha de voltar novamente para o banco corrido no dia seguinte… Esse mesmo chefe, um dia, mandou tirar o chapéu a um senhor da alta que se esquecera de se descobrir ao entrar na repartição pública. Se não estou em erro, ao fundo e pespegados na parede estavam os dois pilares do Estado Novo: Salazar e Carmona. Não se podia fazer barulho, no entanto podia-se fumar. As mulheres não fumavam está claro. Naquele tempo as mulheres de fora da cidade quando adoeciam baixavam à cama e morriam moribundas. No entanto, em termos de saúde dos maridos, que eram o ganha-pão da família – sempre numerosa – elas tornavam-se as suas intérpretes junto dos médicos. “Senhor doutor, ele sofre de dores no estômago e às vezes lança sangue pela boca.” Estava certo, pois quem melhor do que elas que lhes faziam a comida, lhes lavavam os pés nos dias de festa, dormiam com eles e deles levavam porrada da praxe depois de alcoolizados aos sábados à noite, saberiam explicar o que eles padeciam ao clínico geral que atacava todo o tipo de doença. E quando era preciso usar a faca em qualquer parte do corpo lá estava o treinado médico - nos corpos dos vivos e na falta de especialidades e hospitais em condições - sempre pronto a curar. Os médicos de antigamente eram verdadeiros heróis. Alguns davam muita fé às senhoras da cidade que a eles recorriam. Até chegarem os primeiros cirurgiões especialistas a coisa tinha muito de ajuda religiosa. Os médicos – que eram muito poucos – enriqueciam rapidamente. O povo quando não tinha dinheiro para os pagar entregava-lhes ovos e galinhas. Médicos mais cultos não se sujavam com gemas e claras. Preferiam ficar com candeeiros antigos e uma ou outra cómoda feita à mão que encontravam nas humildes habitações. As mulheres, como por milagre e apesar de porem muitas crias ao mundo, viviam muito mais tempo. Era, naturalmente, devido à “ginástica” quotidiana. Não se encontra outra explicação. Não passava pela cabeça de ninguém pensar-se na exploração que todos faziam às mulheres. O Estado, os maridos, os patrões e os filhos estavam à cabeça da chulice universal a que estavam sujeitas. Muitas foram enterradas como verdadeiras fadas. O Estado Novo e a Padralhada cognominaram-nas de Fadas do Lar. O certo é que nunca vi uma única estátua a relembrar as antigas Fadas do Lar. É tempo de se fazer justiça a essas vítimas do passado recente. Avenida Fada do Lar, Largo da Fada do Lar, ao menos isso. Bem, vou terminar este texto pois ainda tenho de fazer o jantar, lavar a loiça e passar a roupa a ferro. A vida está difícil.
(continua)
manuelmelobento