Sunday, May 07, 2006
."ALCEU, O MEU VOTO É TEU!".
As promessas políticas que fazem parte do figurino das campanhas eleitorais dão-me sempre vontade de rir e muito. A última peça aristofânico-socialista que tem como personagens Carlos César e Manuel António e que nasceu na última semana que passou fez-me lembrar as minhas derradeiras caçadas ao voto dos insulanos. Depois de ter somado derrotas sucessivas nas urnas, o partido que me pediram para governar - se não estou em erro chamava-se PDC - encontrou-se perante o dilema de renovar os seus quadros para poder enfrentar os poderosos PSD e PS. Partidos que nadavam em dinheiro para gastos de publicadade. Foi com imenso prazer que consegui fazer entrar para os quadros da Democracia-Cristã (quadros clandestinos pois ninguém estava disposto a filiar-se) o meu amigo Alceu Carneiro, já falecido. Os requisitos do Alceu eram os suficientes para indicá-lo à direcção do meu partido que na altura era composta só por mim... Por isso eu mandava nele como senhor absoluto. Era um partido de direita! O que é que esperavam... Assim eu escolhera um companheiro de bebidas, petiscos, de mulheres da noite, e de tudo que estava de acordo com os pecados mais saborosos. Éramos gulosos mas não invejosos. O que permitia salvarmos a imagem perante o painel de adversários que por não terem estas qualificações eram sempre os preferidos do eleitorado. Este composto por beatas/os e imbecis de todo o tamanho e altares. Ruralidades tão ao gosto de quem ainda acredita que o Filho de Deus veio ao mundo para os salvar. Salvar de quê? E para quê? Cuidado! Alceu acabou no fim da vida por voltar às orações infantis quando o seu sémen se esgotou e o canal do uréter mais parecia um contador dos Serviços Municipalizados depois de sabotado. Alceu concorreu como candidato à Câmara Municipal de Ponta Delgada. O seu programa consistia num segredo entre mim e ele. E só podia ser revelado depois de ele ser eleito. O eleitorado que desesperasse. Isso não nos interessava. Era um novo modelo de estar na política. O resultado foi desastroso. Votos quase nada. E os que caíram nos caixotes pertenciam às velhinhas do costume que julgavam que a Democracia-Cristã era um partido de padres. Pensei, até, em desvio de votos. Porém, ele confessou-me, mais tarde, que nem tinha votado nele mesmo. Depois deste desaire, reformulámos a nossa estratégia. Aproximavam-se as eleições para a Assembleia Legislativa Regional. Tivemos de elaborar um plano governamental... De entre as muitas propostas que saíram das reuniões realizadas na nossa sede que ficava na tabacaria dele (às vezes ele negava vender tabaco aos clientes para não ser interrompido quando estava a falar com os que o ouviam dissertar) optámos por criar em Santa Maria uma espécie de Las Vegas dos Açores. Casinos, casas de diversão nocturna, boites, cabaretes, inspecção sanitária para prevenir doenças transmissíveis sexualmente. Enfim, modernices que, hoje, empestam todo o mundo moderno. Como acontece com São Miguel, por exemplo. O nosso projecto tinha em vista desenvolver os Açores no que diz respeito ao turismo interno. Crescimento da SATA, criação de hotéis, incremento das ligações-excursões marítimas interinsulares. Riqueza e mais riqueza... Fizeram tudo noutras ilhas os políticos que ganharam as eleições. Um verdadeiro desastre! E Santa Maria a morrer aos poucos... A desertificar-se... A culpa de quem é? Não sei e pouco me importa. Bem, saltemos para a finalidade do texto. Um dia, depois das derrotas nas caixas pretas, passei pela tabacaria do Alceu para apresentar as contas das despesas das campanhas eleitorais. Disse-lhe: "Alceu deves-me dinheiro. Pois não devo ser eu sozinho a arcar com elas." - "Diz-me lá isso outra vez que eu não ouvi bem." Atirou para o ar ao mesmo tempo que lançava uma baforada de fumo do seu cachimbo cheio de tabaco americano (Captain Black - Royal). - "Alceu, a campanha para a Câmara foi paga por si própria. Não houve despesas nem receitas. Além disso, vendi sete dos nossos programas a cinco escudos cada." - " Se o programa era secreto. como foi isso?" - " Não tínhamos programa, mas, bolas, distribuí a tua foto e isso foi feito em fotocópias! Ficaram elas por elas. Agora é preciso falar da campanha de Santa Maria." - "Conta lá!" - "Enviei uma carta registada para o Tribunal Judicial da Comarca de Santa Maria com a documentação necessária para legalizar a tua candidatura. O custo do envio perfez a quantia de setenta e seis escudos. Deves-me, portanto trinta e oito escudos." Alceu pagou-mos. Era um homem de contas. Adeus Alceu!
Nota final: depois das contas feitas, rimo-nos os dois que nem uns perdidos. Alceu conseguiu o quarto lugar ficando à frente do PDA e do PCP... Dizia ele com a frase com que rematava todos os seus raciocínios: "conclusão concluída" ... e falava das variantes sexuais que escuso referir e das quais era um mestre muito requisitado pelos amigos da terceira idade que já sem possibilidade de materializar os seus ensinamentos os iam idealizando. Houve alturas em que a malta entusiasmada com a carga dramática com que tratava os tabus regionais o chamava de Mestre. Um dia disse-lhe: "Tu és o Rabi, tu és o Iluminado!" Ao que ele retorquiu: "Tu levas tempo a aprender. Chama-me Rabu ..."
Manuel Melo Bento
Domingo
07/05/2006