Tuesday, May 23, 2006

 

BILHETE DE IDENTIDADE / CONTRIBUTOS PESSOAIS

Eu tenho uma vaga ideia de ter lido no corrente ano um livro que continha um título assim: BI. Li coisas boas e também li muito lixo. O pior de tudo é que hoje comecei a ter consciência e a sofrer com o facto de me estar a esquecer de nomes de pessoas com quem lidei e com quem me costumo relacionar. Às vezes não sei como se escreve uma determinada palavra. E o pior é que quando a vou procurar no dicionário já dela não tenho noção alguma. Alzheimer? É o que me parece. Porém, não vou pagar cem euros para que o clínico mo confirme. Ainda acho muito positivo aperceber-me destas terríveis lacunas. É uma espécie de penalização. Dos amigos que tenho aqueles que eu mais aprecio e lembro são os livros. E Porquê? Leio sempre na cama. Às vezes sentado. Mas sentado dá-me sono minutos depois de os começar a ler. Não percebo. A cama é para outros vícios. Comigo é isto. Ler é deitado. Passo doze horas na cama, no mínimo. Durmo dez. Logo leio duas. Se tenho um livro interessante e a cama já está a chatear deito-me no sofá. Toda a minha vida fui homem de cama e de sofá... O pior será quando a doença de Alzheimer me fizer esquecer o que fazer na cama... É a velhice! Agora percebo porque é ela respeitável. Já me esquecia de dizer que com baixas temperaturas as doze passam para dezasseis. Intercalo o sono com a leitura. Como sonho sempre, muitas vezes as personagens saltam do texto e acompanham-me numa série de aventuras que nada têm a ver com o que quer dizer o narrador. Têm sido mais pesadelos do que outra coisa. Acordei, hoje, alagado em suor. As baleias do Sidónio Bettencourt apanharam-me no mar. Lá entrei para a bocarra do mamífero. Pior foi quando me deitei com a Elizabeth Kostova. Acordei com o Conde Drácula em cima de mim e com os dentes ferrados bem longe do meu pescoço . Gritei ! Acordei. Safei-me. Quando acabei de ler o drama do Eduardo Brum a maluca da Rute apanhou-me numa cama amarrado em lençóis azuis. Tinha ela numa das mãos uma Biblia preta e na outra a minha fralda. Estava bem velho. Um espelho na minha frente dava a entender um mapa geográfico. Era a minha fuça. O melhor sonho que tive foi quando era novo. O Eça tinha escrito uma história de um primo e de uma prima. A Luizinha enganara-se no andar onde ia encontrar-se às escondidas com o Basílio. Entrou no meu quarto lá para os lados de Campo de Ourique. Tu não és o primo! O que é que queres que eu faça? Ela cansada, tira o chapéu e senta-se na minha cama. Lembro-me tão bem desse sonho. Diz ela pondo-me a mão na cabeça. Já que está deixa estar! Acordei com o maldito do carteiro a tocar à campainha com a acostumada carta registada. Era a mesada. Assinei voltei para a cama. Nunca mais ela me apareceu apesar de me esforçar nesse sentido. Tentei reler outra vez o Eça... Porém, nada! Ainda hoje me lembro do seu cheiro e da cor da sua sombrinha.
Manuel Melo Bento
Texto de Terça-feira
23/06/2006

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?