Tuesday, May 16, 2006

 

- FINALMENTE: O SEGREDO DA FARINHA DE MILHO TORRADO -


O FRASCO DO AVÔ DA VILA
Dizia-me uma coirmã de meu pai que o meu tetravô - trisavô paterno de meu pai, logo bisavô do meu avô da Vila, conhecido por Mestre Manuel dos Moínhos como em artigos atrás expliquei - era pescador em Vila Franca do Campo. Mas, cuidado! Era muito poupado, não bebia, não fumava, trabalhava muito e foi muito pobrezinho até ter construído o seu próprio barco. Fiquei sem saber se ele usava sapatos ao domingo para ir à missa, uma vez que fora baptizado em São Pedro da mesma Vila, em 1771. Sua mulher tinha um nome a puxar para gente calçada: Margarida Violante. Esqueci-me de perguntar. Imperdoável! Talvez, até, minha prima Maria Ana o não soubesse. Mas sempre era um elemento de promoção social que me iria calhar muito bem... De poupança em poupança, de aperto em aperto, deixou qualquer coisita, que depois serviu para que as crias descendentes as aplicassem em Cultura. Não muito densa, claro! Ora, de muito poupadinhos que eram os meus antepassados deviam, como é lógico, quando morressem, fazer mais bem do que mal. Bem material, claro. Vou saltar por cima do meu trisavô porque dele pouco sei, nem tenho meu Irmão Carlos junto de mim para me dar algumas dicas históricas. É que, não se esqueçam, trata-se de um meu ascendente! O que é certo (segundo os registos de baptizado) é que foi pai do meu bisavô. Vou parar um pouco, porque já me estou a rir. Pareço um tolo. Cheirei o raio da farinha, ou o que resta dela. O que é que eu esperava! António José Bento, assim se chamava ele, apesar de ser conhecido por Fiveca, pois tinha dificuldade em pronunciar fivela. É de admirar porque a mulher dele, Anna Estrela, era Mestra Régia... Isto não pode ser escrito sem ser muito condensado, porque mete política no assunto. Também, não obrigo ninguém a ler. É mais para mim e para o futuro, porque destas pequenas coisas só a mim me contavam, por ser mais aberto... Ora Anna e Fiveca tiveram cinco filhos. Como tinham quatro estufas, bem no centro da Vila, lá para os lados do Largo Infante (uma delas já vendi...) foi com os ananases das mesmas que possibilitaram instrução aos filhos. Meu avô, por não ter querido ser padre (ficava mais barato), ficou-se pelas estufas, marcenaria e moínho. Foi a sua sorte. Minhas tias avós, duas foram para o Magistério, outra para a costura e meu tio António para Lisboa, onde se formou em engenharia de minas no IST. Saíu daqui saloio e voltou saloio. Lá fora deu-se com más companhias - Afonso Costa e outros democratas - o que lhe custou dissabores. Quando Afonso Costa caíu e ele manteve os ideais democráticos por cá, "certo" povo da Vila foi atirar pedras a casa do pai Fiveca, onde vivia. Foi-se embora corrido e com os casulos bem apertados entre as pernas para África, onde enriqueceu. Não voltou à ilha. Foi casado com uma tolasca falida que só tinha de seu um nome tão comprido quanto a canada do Peixe Assado. Um dia, encontrei-a no Porto, onde me passou cartão, isto é, deu-me um cartão de visita dizendo-me em seguida que daqueles nomes todos (Albuquerque, Corte-Real e outras coisas da mesma classe onomatológica) o de Costa era o único plebeu. Costa era o apelido da mãe do meu tio saloio. "Ó tia, meu pai, quando se falava de genealogias dizia-me que, nós, os Costas da Vila, descendíamos de piratas... que eram referidos nos Lusíadas". A velha não gostou. Nunca mais a vi. Mais tarde, um filho dela veio exercer medicina para Vila Franca. Não exercia nada. Só acordava à tarde. Não lia nada. Trouxe um combóio eléctrico muito grande para se entreter. Não era político como o pai. Foi-se! Era o primo Leonel. Tão saloio como o pai. Não saíu à mãe... Por que falo dele? É que ele viveu uns meses em casa de meu Avô da Vila. Nisso, não era muito parvo. Saltou de tio para tia até que meu primo José Sebastião, coirmão dele, correu com ele. Senão ainda ele andava por aqui... o Albuquerque. Quando viveu em casa do tio, o Leonel descobriu que o meu avô lá de vez em quando se dirigia a um armário, fechado a sete chaves, onde tirava de um gavetão um frasco e dele retirava uma pequena porção de um pó. Isto fazia-o antes de se deitar. Com medo de meu avô nunca se atreveu seguir-lhe os passos. Pois, sabia que ele, apesar de franzino, tinha muita genica. O Leonel não era muito inteligente, puxava à mãe. Não sabia guardar um segredo. Como as nossas idades não eram muito distanciadas, às vezes íamos ao café juntos, ele acabou por me contar o que via o Avô da Vila fazer. Foi-se o Leonel, ficou o enigma. Ele era burro. A mulher dele esbofeteara-o à saída do hospital onde trabalhara. Não tinha paleio para mulher. Fugiu para cá e por cá endoidou de saudades. Imagine-se, tudo por causa de uma mulher... Se ele tivesse descoberto o "Segredo da Farinha de Milho Torrado" talvez o problema que tinha com a mulher se tivesse resolvido a seu contento. Eu é que o vim a descobrir. Fica para mais logo, pois vou jantar. Quero fazer uma pequena correcção. É que vi meu Irmão Carlos na RTP/Açores... a limpar os outros... Meu tetravô por ter construído um barco, passa de pescador a armador. E minha tia costureira, passa a estilista. Alta Costura. Fica mais composto. É outra coisa! Até já! A revisão do texto, para mais logo, também.
Jantei, estou cansado. Para que fui comprar um computador. Devia ter feito como o meu pai. Tinha o vício de fazer piões ao torno. Durante a vida inteira, deve ter feito à volta de meio milhão deles. Foi tenente do exército, funcionário da Junta Geral, agente técnico de engenharia, professor de matemática na Escola Industrial, Comandante da Brigada Naval da Legião Portuguesa (colaboradora da PIDE), Comandante dos Bombeiros de Ponta Delgada, proprietário de uma loja de ferragens (onde eu sempre que chumbava ficava preso), agricultor aos fins de semana... (ainda hoje comemos a famosa banana prata por ele plantada) ia dizer mais qualquer coisa mas ninguém acreditava. Ficou conhecido pelo homem do pião... Vi-o uma vez a sacudir as aparas do seu fato-macaco antes de atender uma chamada telefónica do chefe de todas as Brigadas Navais de Portugal, o almiramte Henrique Tenreiro. Quem não trabalhava não era considerado. Eu nunca gostei de esforços escusados. Tenho fraquezas. Saio aos Silvas. Não nos podemos levantar cedo. Para nós é a saleta e o nunca alterar a voz. Cansa! Quando as Silvas alteravam a voz era para cantar à volta do piano da sala do Avô da Cidade. Minto! E para nos educar. Não serviu de nada... Os Silvas tinham de vestir bem, desse por onde desse. Quando visitava meu Avô da Vila durante a semana, era eu miúdo, ele vestia um fato de cotim e usava um chapéu que herdara do velho Fiveca. Meu avô era humilde. Só quando vinha à cidade depositar as patacas no Banco Nacional Ultramarino e fazer contas com a "Zenite", que lhe ficava com a fruta, é que usava um chapéu de aba revirada. Soavam as campaínhas e lá ia eu cumprimentá-lo diante dos letrados que entravam no banco a pedir adiamentos ( a vida era difícil naquela época) para sacar-lhe uma de cinquenta, que depois passou para vinte até à sua plena conversão à somiticaria. Nunca vi meu Avô da Cidade falar com o da Vila. Seria porque meu Avô da Vila, depois de enviuvar (tinha ele cinquenta e cinco), casou segunda vez com uma rapariga que era sua criada e tinha apenas dezanove anos? Naquele tempo era preciso ter os casulos no seu devido lugar para enfrentar a solidão que lhe custou não ter encalhado com uma senhora de mais ou menos a sua idade (o que era um disparate. Para que servem as mulheres velhas a não ser para chatear) e ter optado pela jovem. Eu, meus irmãos e meu primo Chico estávamos proíbidos de ir além do rés-do-chão da casa, onde o Avô vigiava o moínho sempre rodeado de mulheres que iam moer milho. Os quatro meses de Verão o filho do Fiveca passava-os com a família na Quinta da Senhora da Paz. Mas vinha todos os dias para o moínho. Ciúmes, mulheres e milho torrado. Foi a sina dele. Um dia, não há muito tempo, uma velha passou por mim na Rua Urbano da Silveira Moniz, onde ficavam as estufas, e perguntou-me se eu era alguma coisa ao senhor "Manulinho Bento". "Porquê?" " É que é muito parecido com ele! E eu vinha muitas vezes moer o milho de meu pai." Como ela o tratou com diminuitivo e com carinho, comecei a magicar coisas e perguntei-lhe: "A senhora teve alguma coisa com meu avô?" "Credo senhor, eu era uma rapariga séria!" Meu avô morrera há trinta e seis anos com oitenta e dois. A velha devia ter uns oitenta. Tirando trinta e seis fica com quarenta e quatro anos à data da morte dele. Se lhe tirar mais vinte e seis ela tinha na altura dezoito. Meu avô teria oitenta e dois menos vinte e seis. Igual a cinquenta e seis. Está no papo! "Manulinho" "Milho Torrado" "Ele era parecido comigo (obrigado!, estou a sentir-me bem). "O Segredo do Milho Torrado" continua, porém, vou dar uma pista: eu já o apliquei. Onde? Amanhã direi.
Manuel Melo Bento
Terça-feira
16/05/2006

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