Monday, June 05, 2006

 

DIÁLOGO - LÁGRIMAS (2005) -

AO MEU IRMÃO
ZÉ ROSA

QUE GOSTAVA DE VIVER

FALECIDO EM 2005

O PIOR É QUE NUNCA MAIS NOS
VAMOS ENCONTRAR

- O que é que leva uma pessoa consciente a não suicidar-se?

- Não estarás a colocar a questão ao contrário? Não devias perguntar o que é que leva uma pessoa inconsciente - que perdeu o juizo - a cometer o suicídio?

- Não! Não! A pergunta mantém-se.

- O suicídio é destruição e ninguém no seu juízo perfeito pretende acabar consigo.

- Portanto, quem tem juízo não se suicida?

- Não se suicida!

- Vejamos. Quando um chefe de guerreiros perde a guerra e porque não suporta a derrota se suicida, quer dizer que perdeu o juízo?

- Sim!

- Explica-te!

- O suicídio é contra a regra fundamental dos seres vivos. Ele devia ter-se mantido vivo. Uma vez que fez o contrário, o seu comportamento não está conforme a lei dos seres vivos. Isto é, perdeu o juízo. E, como tal, não obedeceu à regra.
- Diz-me quem estabeleceu a regra dos seres vivos e que permite que uma vez não sendo a lei acatada chamar de pessoa não consciente a quem não obedecer a essa regra?
- Deus, a natureza, o que tu quiseres, uma vez que consideras a divindade o fruto do discurso imaginativo do homem.
- Quando o filhote de tartaruga, saído do ovo, rasgando a casca se dirige para o mar imediatamente está também a obedecer à regra conscientemente ou está programado para o efeito?
- É provável que esteja mais programado do que consciente.
- Se o filhote se suicidasse, nessa altura, poder-se-ia dizer que um ser, ainda não consciente, cometeu um acto não consciente?
- Isso não se coloca assim. A questão é de que o ser vivo está dirigido para um programa do ser vivo. E aos seres vivos, os animais, por exemplo, não se põe o problema do consciente e do inconsciente.
- Será que se pode dizer que o "programa dos seres vivos" pode ser conscientemente apercebido umas vezes e outras, como no caso do filhote de tartaruga, não ser percebido conscientemente?
- Dizes bem! É o que estamos a fazer. Estamos conscientemente a reflectir sobre "o programa dos seres vivos".
- Quando um homem se suicida não está consciente. Segundo a tua ideia, este estado de inconsciente é comparável ao estado dos animais que não têm consciência dos seus actos?
- Se os animais estão programados para viverem não precisam da consciência para nada. Essa ausência de consciência não é igual a não ser consciente?
- Explica-te. É que para mim ausência de dinheiro é igual a não ter dinheiro.
- Há uma diferença. "Vê" só o que te digo. Num país onde nunca foi preciso o dinheiro o que se nota é ausência dele. Ele não é necessário, por isso ausente. Ora, num país que empobreceu e onde não haja dinheiro por falta, a coisa é diferente. Não tem dinheiro, porém, já o teve. Expliquei-me?
- Claro! Explicaste a ausência. Umas vezes para ti a ausência é o que nunca houve, outras vezes aquilo que houve já não há. Será que isto é o que querias dizer? Isto é, o que nunca existiu é ausência e o que existiu e já não existe é também ausência.
- Sim!
- O tratamento que dás à ideia de ausência é que, neste momento, apresenta dois "casos" distintos. E se são distintos não se podem confundir. Poderíamos, então, denominar do seguinte modo os dois "casos" assim: ausência um e ausência dois?
- Pode ser.
- E por que é que não arranjamos um termo para cada caso? Isto para sermos económicos.
- Como queiras.
- Não sei se será fácil. Tentemos. A ausência dois será, pois, o suicida. E isto, claro, respeitando o que atrás dissemos: o homem que se suicida é aquele que tem ausência dois de consciência. Confirmas?
- Sim!
- Diz-me o que pensas do seguinte: só um homem consciente está preparado para pensar o suicídio?
- Pensar o suicídio não é materializá-lo. Parece que estamos entendidos neste ponto?
- Evidente! Quem está preparado para o entender é aquele que é consciente. Quem o condena também será o consciente. E por que razão o consciente o condena?
- Pelas leis. É proíbido atentar contra a vida. Pode ser-se condenado por isso quando se sobrevive a um acto desses.
- A lei condena um inconsciente? A lei que é, neste caso, um acto consciente condena um acto inconsciente?
- É o que parece.
- O suicida é, portanto, um ausente dois de consciência. É um irresponsável que já foi responsável.
- Não me parece que seja responsável.
- Enquanto não atentar contra a própria vida é-se naturalmente consciente, no caso específico do suicídio.
- Sim, neste caso específico. Por que há outras maneiras de se ser inconsciente.
- Vamos estudar este caso, por favor. Se um homem consciente preparar o seu suicídio a longo prazo, não poderei dizer que ele estando consciente e lúcido prepara um acto não consciente?
- Só será inconsciente (não consciente) a partir do momento em que prepara o suicídio.
- Do modo como tu o dizes, há um tempo de não suicídio que é consciente e que passa para um tempo de suicida não consciente. Haverá um salto de um estádio para outro estádio?
- Assim parece.
- Resumindo. Em consciência ninguém se suicida porque a inconsciência comanda o suicídio. Se o que é consciente começar a pensar no suicídio já se encontra na esfera do inconsciente. E só nesta esfera é que se vai contra a programação que mantém o ser vivo vivo.
- Assim o creio.
- Vamos supor que o que é consciente se prepara para se suicidar e no momento do acto recua. O que te parece que aconteceu?
- A consciência foi mais forte do que a inconsciência. Nada aqui foi inconsciente.
- Neste caso, pensar e não actuar é um acto de consciência. O caso contrário: pensar e actuar é um acto de inconsciência. Actuar é, portanto, um acto de inconsciência?
- Neste caso é!
- Sempre que uma pessoa pensa e actua, trata-se de um acto inconsciente?
- Claro que não. Pensar numa boa acção e praticá-la é um acto de consciência.
- Então, pensar e actuar, às vezes é um acto de consciência, outras é um acto de inconsciência?
- Claro!
- O que é que preside a esta classificação?
- A vida em comum dos homens e o seu sentimento do bom e do mau.
- Na II Guerra Mundial, os que traíram Hitler foram condenados a suicidarem-se. O caso Rommell, por exemplo. Trair Hitler, que representava o Estado Alemão era um acto mau?
- Foi obrigado. Não se compara com o acto livre de suicídio.
- Então, o suicídio, embora obrigado, teve iniciativa própria. Logo livre e inconsciente. Será possível um homem livre ser inconsciente?
- Essa liberdade encontra-se na esfera da inconsciência. Só pode ser.
- Confuso. Muito confuso.
- O Estado Nazi é um Estado condenado pela História. O que foi considerado bom pelos nazis é mau para os Aliados.
- Então, o suicídio de Rommell é bom e mau. Bom para uns tantos e mau para outros.
- Assim parece.
- Inconsciente, livre, bom e mau.
- Para nós os do Mundo Livre, é inconsciente e mau.
- Não foi o que dissemos.
-O assunto não é fácil.
- Que pensas da greve da fome?
- É uma forma de reivindicação.
- Se uma pessoa for presa injustamente, achas que essa forma de luta é justa?
- Ela luta pela justiça.
- E se essa luta for muito prolongada e ela vier a morrer?
- Teve azar.
- Qualquer pessoa consciente sabe que uma greve de fome prolongada pode levar à morte. Não será isso uma certa forma de suicídio?
- Ela quando está em luta, não está não está a pensar em suicidar-se.
- Mas pode morrer.
- Lá isso pode.
- Pode, portanto, gerar um suicídio?
- Lá isso pode.
- Parece-me que desculpas esta forma de morrer. Uma vez que se trata de um caso de justiça elaborada num tempo, que convenhamos, ser de consciência.
- Esta forma de morrer é por uma causa justa.
- Esta forma de morrer é um suicídio, uma vez que pertence à área da vontade do indivíduo. Não será?
- Visto dessa maneira.
- Pelo menos o suicídio não é totalmente um acto de não consciência.
- Aqui neste caso. Mas só neste caso.
- Existem leis divinas?
-Existem!
- São todas boas?
- São todas justas.
- Pergunto se são boas?
- São boas e justas
- Nascer, viver, morrer obedecem a leis divinas?
- Claro!
- Quantas maneiras há de morrer?
(Continua na próxima terça-feira)


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