Thursday, June 15, 2006

 

FILOFLA III e IV Capítulos

III


(Algum tempo depois, Almeida Santos (29) desembarca do avião da AIR Portugal, no aeroporto de Ponta Delgada. Vem fazer campanha política pelo Partido Socialista. Espera-o uma multidão enraivecida, composta, na sua maior parte, por retornados das ex-colónias que a comandam e que lhe sugerem uns bons bofetões. Aterrorizado , quase linchado, é salvo, no último momento por elementos da Filofla. Posto a salvo por estes, presta, mais tarde, falsas declarações acusando a Filofla de crime contra a segurança do Estado, pois equipara-se a uma instituição oficial.)

(Em Lisboa, Jaime Gama telefona a Bosco que se encontra numa instituição religiosa que acolhe membros solteiros e alguns casados.)
GAMA
(Muito vermelho)
O meu Portugal, velhinho de oitocentos anos, foi esbofeteado pela tua Filofla, seita de malfeitores que se encontra sob a alçada da lei.
BOSCO
(Que está de joelhos, num quarto particular da tenebrosa instituição.)
Grave! Grave! Muito grave, mesmo!
GAMA

(Colérico. Segura numa das mãos o discurso que Salazar proferiu quando mandou tropas portuguesas para combater em Angola.)
Não tivesse sido eu porta-voz do "25 de Abril"!
Não comungasse eu de ideais comunistas e pacifistas!
Não fosse eu uma vítima da PIDE! (30)
Não fosse eu pela liberdade de imprensa!
Não fosse eu pela autodeterminação dos povos de cor escura e castanha escura!
Não fosse eu um ministro democrata e da Administração Interna!
A mim valente guarda, depressa, bem e em força para os Açores, terra de fascistas! Ide e esmagai os reaccionários! Ide e espancai os esbofeteadores do meu alto camarada da luta pela independência moçambicana!

BOSCO
De facto, tendes razão meu suave amigo. A justiça imanente ao teu espírito democrata á a prova mais cabal de um possível entendimento entre académicos. A abertura do teu governo, pois não é ele um coligado à democracia-cristã, é de suprema importância para se restabelecerem as liberdades democráticas. As amplas liberdades como sói dizer-se. É com este espírito envolvente de ateísmo divino, que em vós se consubstancia, que rogo o diálogo purificador para estudarmos a situação. Sei, há muito, que a prudência é o vosso gládio.

GAMA
Trata-se da luta de classes. Os fascistas açorianos não querem perder as suas prerrogativas. Estou
ao lado do povo português. Não posso permitir que a democracia socialista não seja respeitada.

BOSCO
Claro, eu próprio tenho tido dificuldade em democratizar as mentalidades açorianas.

GAMA
Então, estamos entendidos! A guarda irá para os Açores esmagar a sedição emergente.

BOSCO
Não haverá alternativa?

GAMA
Só se me deixares ir a teu lado na procissão do Santo Cristo.

( Segundos depois, Bosco desliga delicada e suavemente a comunicação telefónica...)

GAMA
(Colérico, muito vermelho e furibundo)
Valha-me o Coliseu de Roma!

IV

(Em São Miguel, poucas horas depois da conversa telefónica com Bosco, a guarda pessoal do ministro Gama comete atrocidades em velhos, mulheres, jovens e crianças que apanha na rua. São presos alguns Filoflas em suas casas, antes do nascer do Sol e transportados em avião militar para serem presentes aos juízes dos tribunais portugueses. Pela tarde do mesmo dia, uma enorme multidão composta por centenas de pessoas cerca o quartel da polícia de Ponta Delgada onde está instalada a guarda invasora. O comandante ameaça abrir fogo sobre os manifestantes se, no espaço de quinze minutos, estes não dispersarem.)

(Do governo regional, José de Almeida recebe um pedido para pôr cobro à manifestação.)

(José entra no quartel. Um subchefe açoriano condu-lo à presença do comandante.)

SUBCHEFE AÇORIANO

Meu comandante! Está aqui o doutor José de Almeida.

COMANDANTE

Quero que o senhor Almeida mande retirar a sua gente daqui antes que eu perca a cabeça. Tem quinze minutos para o fazer!

JOSÉ

O senhor Bruno, por acaso, não sabe que está fora da sua terra!

COMANDANTE

Eu sou o comandante de todas as guardas! Não sou o senhor Bruno! E não admito que me fale assim!

JOSÉ

E eu sou o doutor José de Almeida, líder máximo da Filofla! Tem dúvidas? Olhe a multidão! Na rua mando eu!

COMANDANTE

(Olhando a rua da janela)

Isto pouco me importa! Sou militar. Cumpro ordens ó ... doutor!

JOSÉ

Seio o que isso significa. Servi no exército português. Honrei a farda que vesti. Medo é roupagem que não uso!

COMANDANTE

Então, sabe o que são ordens militares!

JOSÉ

Aquelas que vocês cumpriram na defesa da pátria. Os mortos de Timor são as vossas condecorações.

COMANDANTE

Considere-se preso!

JOSÉ

Ah! Ah! Nem você, nem Eanes, nem Gamas! Aqui mando eu!

(Entra um tenente das forças invasoras com o bastão sujo de sangue.)

TENENTE

Meu comandante, encontramo-nos cada vez mais cercados. Já foram vistas armas nas mãos dos Filoflas. Se ninguém impedir o confronto, vai haver um terrível banho de sangue!

COMANDANTE

(Apalpando a pistola)

Dialoguemos, ó doutor!

JOSÉ

Com certeza, é para já!

COMANDANTE

Será possível dispersar a multidão?

JOSÉ

Só se você me garantir que as sua forças retiram para o quartel dos Arrifes e daí regressem de imediato a Lisboa.

COMANDANTE

Não posso prometer. Terei de falar com Lisboa.

JOSÉ

Problema seu!

(Depois de um contacto bastante atribulado com Lisboa, o comandante retoma o diálogo com o chefe da Filofla.)

COMANDANTE

Retirarei, mas quero garantias de não ser atacado na retirada.

JOSÉ

Tê-las-á

(O chefe da Filofla sai do quartel e dirige-se à multidão saltando para cima de um carro de combate da polícia.)

JOSÉ

(Equilibrando-se)

Nesta terra estão a mais as forças de ocupação estrangeiras! Ouvi açorianos! Vamos ser independentes e livres como os milhafres!

MULTIDÃO

(Gritando)

Independência! Fora com o invasor!

JOSÉ

O estrangeiro está a mais! A sua presença na nossa querida terra é mais uma provocação a que estamos sujeitos. O governo regional tinha por obrigação enfrentar a situação. Entretanto, o que fez ele? Nada! O seu presidente fugiu cobardemente para Lisboa e só voltará quando nós, a Filofla, acabarmos com a invasão. Virá, depois, tirar partido da situação. Quererá, certamente, como sempre o faz, ficar com os louros. Desta vez, dizemos não! À sua cobardia, gritamos basta! Estamos fartos de traição. Patriotas açorianos! Eu não quero heróis mortos. Ninguém cairá sem vida aos pés do colonialista. Se alguém tem de cair primeiro, que esse alguém seja eu. Por isso estou aqui. Nunca fugi à linha da frente. Posso ser acusado de muita coisa, mas cobarde não sou!

MULTIDÃO

Viva José!!!!! Viva a independência!!!!!

JOSÉ

Se a violência é a resposta do colonialismo às pretensões pacíficas do povo açoriano, o diálogo é a nossa proposta para discutir a liberdade a que temos direito. Mas cuidado, a paciência tem limites. Com Portugal, dialogaremos de boa fé. Portugal será o único interlocutor válido reconhecido por nós. Estamos interessados na bilateralidade de actuações. Mas, atenção Portugal! Exigimos idoneidade nos vossos embaixadores. Não aceitamos oportunismos nem arrogância com que nos tratais. A nossa Pátria merece a dignidade das mais nobres. Vivam os Açores livres e independentes.

(A multidão dispersa cantando ...)

MULTIDÃO

"Estes filhos de cerva hão-de afinal

entrar na linha

E levar nas canelas

Metidos nos porões" (31)

FIM do IV Capítulo

Posted by Picasa








































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