Tuesday, June 27, 2006

 

NO REINO DOS APEDEUTAS - CONCLUSÃO


“REINO DOS APEDEUTAS”
V
(No espaço sideral Zeus, Júpiter, Jeová e Alá encontram-se refugiados refugiados na sala das orgias celestes.)
ZEUS
(Fazendo o ponto da situação)
O resultado de termos admitido milicianos celestes nas nossas hostes foi desastroso. Os conjurados são chefiados por um dos acólitos de Jeová.
ALÁ
(Para Jeová)
Deste-lhes muito força. Bastou ofertarem-te ofícios em tua honra durante quarenta e oito anos para os promoveres a pró-divindades poderosas.
JEOVÁ
Fi-los à minha imagem e semelhança com a melhor das intenções.
(Batem à porta da sala do Quarteto celeste. Alá, o mais novo, vai abri-la. Leva um turbante na cabeça.)
ALÁ
Quem é?
ALMA PENADA
(Vestido com hábito secular)
Sou Cerejo (nome “celestializado” de Cerejeira) da tribo do Quarteto de Jeová: frade que fui de meio mundo, venho pedir perdão por ter aderido à revolta dos milicianos celestes.
ALÁ
(Chamando por Jeová)
É para ti (sopra na direcção do co-deus). Diz que que é um frade de meio mundo, teu valido e que te vem pedir perdão.
JEOVÁ
Deixa-o entrar.
(Cerejo entra de cabeça baixa, com o sorriso velhaco de sempre.)
CEREJO
(Para Jeová)
Senhor, deus de um quarto celestial! Tu sabes o que são os pecados. Tu os distribuíste prodigamente pelos teus filhos. Permite a remissão dos meus que eu te serei fiel nos dez séculos seguintes qual Penélope da tribo de Zeus. (Pisca o olho na direcção de Jeová.
Jeová ri em si)

(Debaixo das saias de Cerejo encontra-se Demo Sazar (nome com que Salazar era conhecido nos Quartetos celestiais). Pertence à mesma tribo de Cerejo. Sem que ninguém o veja desliga as pilhas dos raios de Zeus, que de lágrimas volatizadas olha Cerejo com piedade lacedemónia)
JEOVÁ

Perdoado estás filho! Penso que os meus divinos colegas estarão também de acordo?
ALÁ, ZEUS E JÚPITER EM CORO
Embora a vingança almoce sempre connosco, achamos, por nós-deuses, que deveis serdes, em razão das nuvens, amnistiado.
(Neste momento, Demo Sazar sai debaixo das saias de Cerejo e aponta para os deuses não cristianizados um amuleto embrulhado contendo unhas das plantações do Tarrafal.)
DEMO SAZAR
Convertei-vos!
ZEUS, JÚPITER E ALÁ
(Com ar de desconfiados)
Não tens nada dentro do embrulho! Estás a fazer batota!
DEMO SAZAR
Mais uma palavra vossa e desembrulho-o!
(Entrega o embrulho a Jeová que ameaça os deuses intimados, enquanto Cerejo os enfia numa garrafa vazia de vinho do Dão.)
JEOVÁ
Estou maravilhado com o vosso sucesso!
CEREJO E DEMO SAZAR
Cumprimos com a nossa promessa. Agora é a vossa vez.
(Os três cúmplices dirigem-se às cavalariças siderais e montam no carro de Elias. Depois, rumam em direcção da Península Ibérica. Chegados lá, sobrevoam a cúpula de Santa Engrácia.)
DEMO SAZAR
(Tratando Jeová com intimidade)
Jeová, dá-me uma mão, senão nunca mais os encontro. Ultimamente vejo mal.
JEOVÁ
Estão ali no Campo pequeno.
CEREJO
Não está lá ninguém. Engano vosso.
JEOVÁ
A idade não perdoa. Também estou a ver mal.
CEREJO
E, se eu fosse lá baixo?
DEMO SAZAR
Sempre era melhor. Senão nunca mais saímos daqui.
(Cerejo agarra-se às barbas de Jeová e desce devagar até ao cimo das casas e saltando de telhado em telhado chega ao Paço Episcopal. Depois de lá entrar, dirige-se à sua antiga poltrona.)
CEREJO
Que vejo eu?
(Na sala de recepções, avista um padre da segurança deixar entrar Mário Soares depois de o ter apalpado.)
MÁRIO SOARES
(Dirige-se a uma figura esguia vestida de preto e de cigarro no canto da boca.)
Eminência! A vossa benção, por favor?
EMINÊNCIA
(Com o sorriso de tempo de antena, o mesmo que usava quando no tempo do Estado Novo pregava o cristianismo na RTP. Dizem que se apaixonara por uma “pivot”.)
Ei-la!
MÁRIO SOARES
(De joelhos)
Ah, que gostoso Eminência! Como Deus é grande!
EMINÊNCIA
Como estou satisfeito com a vossa entrada para o redil.
MÁRIO SOARES
O outro é que peca. Pavoneia-se amancebado (refere-se ao católico Sá Carneiro, primeiro-ministro de Portugal quando recebe acompanhado pela amante Snu, reis e chefes de Estado em cerimónias oficiais) pelas instituições sagradas do Estado Democrático e de Direito. Um verdadeiro pecado! (Cruza os dedos da mão esquerda colocada atrás das costas.)
EMINÊNCIA
(De mãos postas)
Sereis recompensado por essa nova mente que vos enlaça.
MÁRIO SOARES
Eminência!!!
EMINÊNCIA
No voto Amen, nosso também!
CEREJO
(Pensando que grita)
Sazar! Sazar! Por que não cumpriste as escrituras?
(No reino dos quatro Quartetos, aproveitando a ausência de Jeová, o Marquês de Pombal está de saca-rolhas na mão...)
FIM
(Editado em Ponta Delgada em 1983)

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