Thursday, June 29, 2006

 

OS ESQUERDISTAS - CONTINUAÇÃO do DIA 29


II
(Num dos salões do Clube, Dom António conversa animadamente com um alferes recém-admitido no círculo.)
DOM ANTÓNIO
Conto consigo para levar a cabo a tarefa que me propus. Investirei na Educação. Criarei um centro ideológico encapotado num colégio que ministre o ensino oficialmente adoptado. Denominá-lo-ei Real Colégio do Infante para calar os esbirros da ditadura.
ALFERES
Farei o marxismo possível.
DOM ANTÓNIO
Você leccionará a disciplina de matemática.
ALFERES
Então, matematizarei a catequese e desmitologizarei as estruturas da moral oficial. Através do número, reduzirei a lógica salazarista à expressão probabilística. Tudo pelo número. Tudo quantificarei. Cientificarei as falsas qualidades dos arrivistas.
DOM ANTÓNIO
Não proíba as favas nem a carne de porco. Basta de seitas pré-socráticas.
ALFERES
O meu discurso é o cientifico. Os desertos da ignorância serão cobertos pela intimidade da sabedoria. Cesse a certeza. O condomínio da dúvida, que os sábios assenhoreiam , transbordará possanças aos surpresos mortais.
DOM ANTÓNIO
“La raison du plus fort est toujours la meilleure.” Ibidem.
ALFERES
Este povo autóctone está isento de senso político, mas recheado de impostos. Não poderemos viver tranquilos nem envelhecer nababescos enquanto não subvertermos os valores por que se rege.
DOM ANTÓNIO
Organizemos a educação de base. Sistematizemos o trabalho. Promovamos a tendência cooperativista. Orientemos política e humanisticamente estes veneráveis e pacíficos observadores do universo dos sentidos.
(Enquanto conversam o marquês e o alferes Antunes, as fortunas casadoiras rebolam-se no passeadoiro valsejante das intenções. O alferes, aproveitando intervalos de prosa esquerdista, vai quantificando tudo à sua volta e ao mesmo tempo distribui sorrisos económicos).
ALFERES
(Levemente bacanalizado)
Evoé!
DOM ANTÓNIO
Intervalemos os nossos pensamentos. Vejo que você também é humano. É preciso, por vezes, detonar as nossas recônditas sensibilidades. Deixemos, por hoje, a revolução. Amansemo-la um pouco.
(A orquestra envia sons valsejantes. O alferes despede-se do seu correligionário e, apresta-se para, com ar pouco castrense, não magoar a cera ciosa dos velhos sobrados, única capaz de distinguir pezunhos de pés. Dom António retira-se e ao passar por um grupo de senhoras, tão ilustres quanto os espelhos da velha mansão, estas discretamente persignam-se.
(Conclusão do II episódio. Amanhã, dia 30 continua)
 Posted by Picasa

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?