Saturday, September 09, 2006

 

O texto que devia acompanhar as adendas dos CADERNOS DO OLHAR estava incompleto. Tenho de o reformular. Entretanto, aqui vai um cadernito que coloquei em circulação restrita – como de costume – mas de heterónimo construído. Brincadeiras!
JANEIRO DE 2006

LITÓSOFA E ACADEMIA DE MORTOS

LITÓSOFA
Não havia cadáveres à minha volta. Chamavam-nos cadáveres. Eram tumores da não-existência. Como para dizê-lo e afirmá-lo não fosse necessário sê-lo? Que petulância têm estes sábios de agora em falar e inventar sobre o que as imagens lhes parecem ser. A força desses vivos que se diz já o foram, desdobra-se em mil congeminações para que os traduzamos no seu movimento de pinceladas cheias de cores cúmplices. Não sou obrigada a ser morto! Obrigaram-me a ser vivente. Não tive opção na matéria. Numa matéria que só a mim devia dizer respeito. Só a mim cabe saber se estou morta já que nunca decidi ser viva. Só a mim cabe querer sê-lo, mesmo que a certidão de óbito a parafraseie. Podem-me tirar tudo até o pensamento. Matem-me como quiserem! Não me ponham de pé que me transformo em ampulheta. A minha ampulheta trabalha a urina. No tempo das gotas, cada pingo é uma volta arredondada nas horas cíclicas. Uma morte recheada de recordações, visita régia de uma cultura de solidão onde nem a ignorância quer fazer apeadeiro. Cheirando-lhe a má companhia, ei-la namoradeira sem querer dar nada em troca. Meretriz sodomítica! Não conhece paternidade, mas é legitimada pela angústia que descoberta no pico do horizonte se ilude com o nascer do Sol para depois, quando recolher aos lençóis, perder no sono a identidade. Expectante, tudo avaliza, pois sabe ser sempre ressarcida. Tem família sem nunca ter acasalado. Tem filhos sendo estéril. É forte sem músculos. Não sabe o que é o humor nem como fazê-lo, mas ri-se até ao choro. Rasteja e não é cobra, voa sem ser pássaro. Não se a deseja como guia nas pedras da calçada nem como companhia no banquete dos odores. Cheira mal como companhia e é inodora quando desterrada. Tem sempre sede mas só dá de beber ao sofrimento.
EGNOMASTRO
Dizeres mais de que te servirá, ó Litósofa? Não expressas dor que se veja nem pátria onde te decidas!
Continua

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