Monday, October 16, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação

VOZ
Infeliz, tu que confundes o ressonar da fémea com o seu bafo arquejante e ainda por cima casaste com a filha do Deodato da loja dos trapos só pelo pataco e pelo penacho...
EMÍRCIO
Senti paixão.
VOZ
Refreada, medrosa e bloqueada.
EMÍRCIO
Era filho do sacristão Sabujo. Havia quem me julgasse com lepra.
VOZ
Havia muito por onde escolher!
EMÍRCIO
Sopeiras!
VOZ
Por quem hoje estás perdido de amores. Quem julgas que era tua mãe?
EMÍRCIO
O destino foi-me bastante carrasco. Entrei na barca errada. Foi uma luta tão longa! Levei tanta batalha de vencida para agora não poder saborear a vitória. Sinto-me como a imagem que repela a própria sombra.
VOZ
Uma imagem de medo. Medo que nunca te incomodou.
EMÍRCIO
E é culpa minha, se de tudo me ensinaste a ter medo aparente?
VOZ
Todo o acto medroso é um mau acordo entre o Eu e o Outro. Viver sem medo consiste em harmonizar os dois.
EMÍRCIO
E o tempo que se perde! E o desgaste que se tem ao tentá-lo!

(Entra Inocência para levantar a mesa)

INOCÊNCIA
Posso levantar a mesa, senhor doutor?
EMÍRCIO
(Distraído)
Os teus pés...
INOCÊNCIA
Senhor doutor?
EMÍRCIO
(Concentrando-se)
Nada! Nada! (Fixa os olhos nos cabelos soltos da rapariga) O que vieram cá fazer os flamengos?

(Inocência levanta a mesa sem se atrever a questionar de novo Emírcio.)

VOZ
Às vezes, as narinas ajudam a ver melhor!
Continua

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