Friday, October 27, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação

XIX
Emírcio entra em casa sem fazer barulho e dirige-se para a cozinha. Aurora e Inocência estão a preparar o jantar.

EMÍRCIO
(Resoluto)
Inocência, traz-me uma chávena com água bem quente, para a saleta!

Emírcio dirige-se para a saleta.

INOCÊNCIA
(Aparece pouco depois)
Senhor doutor, trago-lhe a água quente.
EMÍRCIO
(Sentado numa poltrona de cabedal)
Onde está a senhora?
INOCÊNCIA
(Estendendo a chávena num pires. Tremem-lhe as mãos.)
No seu quarto, arranjando-se para o jantar. Cuidado que a água está muito quente!
EMÍRCIO
(Fingindo que bebe a água)
Uf, pelei-me! (Fazendo um esgar) Traz o bicabornato e depressa!

Inocência vai buscar o bicabornato à cozinha mas não diz nada a Aurora. Emírcio coloca a chávena em cima de uma mesinha e molha os lábios com bastante saliva não sem antes os ter mordido. Inocência está de volta.

EMÍRCIO
(De pé)
Põe-me o bicabornato nos lábios!
INOCÊNCIA
(Aproxima-se de Emírcio sem saber o que fazer)
Como é que eu faço?
EMÍRCIO
(Pega-lhe no pulso e dirige a mão da rapariga aos seus lábios, depois desta ter tirado o pó com a ponta dos dedos.)
À volta da boca!

(Inocência passa-lhe o pó pelos lábios sempre agarrada pela mão de Emírcio. Este fixa-se nos olhas dela, de um verde-azulado, herança de um longínquo flamengo seu antepassado, como acontece quase sempre nas gentes de certas freguesias que circundam Ponta Delgada.)

INOCÊNCIA
Ainda tem dor, senhor doutor?
EMÍRCIO
(Com os lábios salpicados do pó branco)
Nunca mais te doeu? (Apalpa a barriga de Inocência, que entretanto estremece.)
Continua
 Posted by Picasa

Comments: Post a Comment



<< Home

This page is powered by Blogger. Isn't yours?