Thursday, October 12, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação

Inocência foi operada ao baço e recupera em casa de Laura. Laura ofereceu-lhe um dos seus vestidos, um par de sapatos e cem escudos. Matilde foi parar ao Asilo. Poucos dias depois da cena da pancadaria deu-lhe para ficar com tremuras e foi despachada por Laura que ficava muito abalada ao vê-la naquele estado. Emírcio sonha constantemente com Inocência. Tarde quente. Laura encontra-se na saleta com o calista. No sótão, Inocência dormita em cima da cama. Tem as coxas a descoberto. Emírcio entra devagar em casa e dirige-se para o sótão. Uma vez lá chegado abre a porta muito lentamente e estanca o olhar extasiado na rapariga.
EMÍRCIO
(Falando baixinho)
Oh engenho divino! Aquilo é um mundo que desconheço. Sabe-me à pureza da primeira masturbação; à visão da noite de luar que nunca chegou.
VOZ
Ih! Ih! Ih! Pela boa mesa, pela posição social, por um aperto de mão sem calos, por essa merda toda, perdeste tanto do que a vida te poderia ter oferecido. Nada tens e nada podes dar. E os simples e grandes apetecidos desejos em degenerados se transformaram nessa cabeça.
EMÍRCIO
Tenho muito para dar! (Passa os dedos pelo bigode) Muito mais para receber. Sou jovem!
VOZ
Isso é-te útil para o espelho. Nada te falta para a tragédia. Sempre lhe foste afeito.
EMÍRCIO
Interiormente nunca me acomodei à tragédia. A tragédia é para mim uma deliciosa descoberta.
VOZ
Que descoberta?
EMÍRCIO
Quem descobre, desperta. E tudo o que eu sabia não sabia... Não era minha a experiência. Falhar não era fácil. Tudo estava estabelecido conforme à obediência.
VOZ
E o pensamento, ele que era o único que te poderia tornar livre?
EMÍRCIO
O pensamento é um simples mensageiro sujeito aos desvios da caminhada: uma alternativa à solidão do Eu. De modo nenhum um rebelde.
Continua
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