Friday, November 03, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação

VOZ
Danados são os desejos que consomem a alma porque a tornam no repositório da amargura. Condenados estão os que sofrem do frio do infortúnio e da desventura porque não riem. A cobardia, companheira infatigável do bom senso, apela a que soframos humildes e submissos os destemperos desta vida. Rebelemo-nos! Abençoai ó Deus, os que vencem o inimigo, porque reinarão sobre os alimentos. Não sigas o mito antigo para não te tornares na invenção lendária que gratifica os infelizes e os consola.
EMÍRCIO
Por que não se reflecte em mim o fogo do descernimento nesta hora de muita dor? Por que vivo este fadário, resto carcomido das hesitações da ciência dos homens.
VOZ
Calar a emergência do prazer trazer-te-á a mortalidade do embrião e tornar-te-ás no cemitério da processão divina: a tumba de Deus.
EMÍRCIO
Lesante pensamento! (Com raiva) Como interpretar o idioma do amor?
VOZ
Pela pureza da imaginação!
EMÍRCIO
Está travada pelos padrões de referência.

(Inocência aparece à porta da saleta)

INOCÊNCIA
O jantar está na mesa, senhor doutor.
EMÍRCIO
(Aproxima-se de Inocência e afaga-lhe o rosto)
Não nasceu como as ervas, mas é raiz de grande porte esta afeição. “O que é violento não é duradoiro.” (Referência perdida. Talvez helenística?) E tu, serena contemplação (olha-a profundamente nos olhos), transformaste este consumidor de costumes num consumidor de sonhos.
INOCÊNCIA
(Encostada a Emírcio)
Gostava de poder estar só um minuto, apenas, dentro da sua cabeça.
Continua
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