Friday, November 09, 2007

 
PINCELISMO
UMA CRIAÇÃO ESTÉTICA ?
Achegas para a concepção do pincelismo
(Assim)
Como todos aprendem a ler e a pintar (desenhar) na escola, isto não quer dizer que venham a ser escritores ou pintores. Todavia, nada impede que escrevam e pintem. Se encontrarmos uma carta escrita por um soldado romano dirigida a uma namorada hebraica narrando-lhe – num latim popular – o facto de ter encontrado Jesus de Nazaré a fazer amor com uma mulher, etc., eis a importância de uma simples carta para um contexto histórico-religioso. Qualquer desenho, por mais insignificante que seja, pode ter um valor inestimável no panorama histórico-antropológico. Ninguém está livre de escrever, desenhar, pintar, construir, etc.
O pincelismo é um acto natural de expressão pictórica. O que relata ou o que parece relatar só a ele diz respeito numa primeira fase. Estudar o pincelismo é, hoje, um atitude pouco interessante. A pintura ingénua pode confundir-se com o pincelismo. Porém, há que distinguir uma da outra, na medida em que o pincelismo generaliza a pintura e valoriza-a como acto humano. O pincelismo é progressivo, ao passo que a pintura ingénua é fundamentalista. A pintura “naif” exige um pintor “naif” para ser classificada. No pincelismo não se exige um comportamento seja de que estilo for. Pode-se misturar ou não estilos, pode-se rigorosamente pintar livremente sem dar satisfação a escolas ou a críticos. Os princípios pincelísticos autofagiam-se. O pincelista até pode pintar sem ter a noção de que pinta. O que é preciso para pintar? Tempo!... Habilidade? Negativo! Conhecer as várias ou algumas técnicas de pintura? Negativo!... O pincelismo será anárquico? Tal como o universo subatómico, falta-lhe, até ver, rigor!... Deverá o pincelismo fazer-se representar nas galerias? Não necessariamente, porque estas são restritivas!... Só uma pequena percentagem de pessoas é que as visita. O pincelismo deve estar presente em tudo que é parede. Quanto à forma? A que mais se coadune com a ideia mesmo que a mão a não acompanhe. No mundo das aparências nem mesmo o que é aparente é aparente. Se o pincelismo tiver oportunidade de se projectar e de criar sombra, nem ele (pincelismo) é responsável por aquilo em que ela se transforma: uma sombra. Existem ideias disformes e disparatadas que o pincelismo procura materializar. O pincelismo é a sombra errática das mesmas.
O pincelismo é criativo? Nada é criador. É tudo uma mistura. É como uma sopa de cenoura. A cenoura é apenas um dos seus elementos, talvez o mais proeminente, logo a seguir ao líquido que a faz ser sopa de cenoura.
O pincelismo foi inventado para chocar? Não! O pincelismo é fruto de uma falta de escola e de academismo. Em democracia burguesa, tanto o menos abastado quanto o mais rico, ambos usufruem as comodidades do mundo capitalista moderno em escalões diferentes, porém, têm de comum a optimização do consumo. Assim, o pincelismo, a menos abonada das artes, tem o seu espaço. O espaço é de todos e para todos! Muitas das pinturas pincelísticas são azuladas e cinzentas, e isso torna-as pouco apetecíveis. Quando se acinzenta uma pintura (salvo os casos propositados) é porque não se domina as técnicas, mas isso é apreciação dos mestres, claro!
Talvez, por isso, seja o pincelismo uma forma patética de expressão pictórica.
Espaço na história da pintura? É irrelevante, O chicharro por ser antigamente o alimento do pobre não se via na mesa do rico. Um dia, foi redescoberto e ei-lo a ombrear com o célebre bife de lombo de vaca e até mesmo com a lagosta. O pincelismo é um chicharro? Ainda não se pode comer o pincelismo, embora algumas pinturas, depois de mastigadas, saibam a queijo suíço, o que cheira mal, claro!
Veio o pincelismo destruir a pintura antiga, como se de uma “luta de classes” se tratasse? As “ grandes pinturas” estão à guarda do grande capital e da Igreja, pois são estes o suporte dos mestres e a guarda pretoriana dos seus valores, um por lucro a outra pela sensibilidade com que apara a arte e - justiça lhe seja feita - foi ela que guardou até hoje esse tesouro imenso da inspiração humana.
É preciso fazer-se esforço para se ser pincelista? Às vezes é porque existe uma tendência para o perfeitinho e para o colorido quando nos entretemos com a arte pictórica. Acontece muitas vezes “o artista” pincelista cair nesse erro e cabe aos entendidos descobri-lo. Ou arrepia caminho e recupera o espírito inicial ou perde-se em alguma escola mais facilitadora e comercialmente mais aceite.
A partir de quando o “artista” saberá que é inspirado pelo pincelismo? Primeiro, é preciso reconhecer que para se ser pincelista todo e qualquer influência de escolas ou pinturas têm de ser postos à margem. O fio condutor é um só: ligar o cérebro à mão sem retoques elitistas.
“Não há arte sem delito.”
Eduardo Souto Moura in Artes e Leilões-Out.-2007
O pincelismo é uma arte?
“Não, é um delito!” Ideia implícita em Souto Moura.
Segundo, deve esquecer o que se disse em primeiro lugar…
Verdadeiramente, o pincelismo não é um nihilismo porque se constrói nas próprias dificuldades em não cair na imitação pela imitação. Quando imitar para reproduzir o pincelismo deixa de ser manifestação primária e “medíocre”. O pincelismo é pertença generalizada; não é uma peça personalizada nem cuidada. Isso interferiria no seu processo de realização. Nada pode ser mais livre no pincelismo que possa ficar escondido. O pincelismo é transparente e tem como objectivo fugir às convenções e à comercialização o mais possível. O comércio, a procura e a oferta desvirtualizam e condicionam a arte. Esta acaba por cair nas mãos dos agiotas que vivem da promoção do seu investimento descurando o verdadeiro sentido da arte.
O pincelismo não combate as outras correntes. Porém, não se associa com elas porque evita os circuitos comerciais. Trata-se de uma marginalização consentida. É onde se refugia, é onde se identifica. É uma espécie de egoísmo que se entrega.
Diogo Reyol

Comments:
Deleita-te com delito.
Apesar desta frase cacofónica, ficas obrigado (salvo seja!) a pincelar uma cenoura, daquelas que põem os olhos azuis.
 
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