Saturday, September 30, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
V
No sótão, Emírcio tem o cinto das calças na mão.

EMÍRCIO
(Muito excitado e falando entre dentes.)
Seu estafermo! Sua puta desalmada! Vais para o olho da rua, hoje mesmo! (Bate em Inocência nas pernas e na cabeça. Quando Matilde procura colocar-se entre os dois, Emírcio dá um forte pontapé no estômago da rapariga. Esta começa a gemer enquanto a velha Aurora lhe tapa a boca.)

VI
Emírcio entra na sala de jantar apertando o cinto das calças.

EMÍRCIO
Desculpe senhor Souza. (Senta-se à mesa). Estas cenas são muito aborrecidas. E logo Laura que fizera tanta recomendação.
SOUZA
Olhe meu caro doutor, com esta gentinha tudo é possível. Não se irrite. Perdoe-me a insolência, e se bebêssemos um copo de vinho para esquecer. Não se importa, pois não?
EMÍRCIO
Por quem é senhor Souza. O senhor, aqui na minha casa, manda. (Bate com a faca no copo insistentemente.)
MATILDE
(Entrando depressa e muito ofegante.)
O senhor doutor chamou?
EMÍRCIO
Serve-nos vinho, velha estúpida!
(Matilde a tremer enche os copos e a muito custo consegue não entornar o vinho.)
EMÍRCIO
Vai-te embora que quando precisar de ti chamo-te.
SOUZA
(Depois de beber um pequeno trago)
Não é muito enrolado, mas bebe-se bem. Qual é a região?
Continua

Friday, September 29, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO

(Continuação atrasada)

INOCÊNCIA
Se era aquilo que os senhores comeram hoje ao almoço, não sei. Que sabor é que terá?
AURORA
Se um dia houver cá por casa um desgosto e calhar haver bifes para o almoço, talvez tenhas sorte...
MATILDE
Só se for um desgraça muito grande. Na morte da mãe da senhora não deixaram de comer tudo que foi para a mesa.
AURORA
Pelos vistos nem a morte traz proveito aos desgraçados.
INOCÊNCIA
Mais vale ter um padrinho na América.
MATILDE
Tive um tio que conseguiu fugir para lá. Dizem que morreu rico. Um dia cheguei a ver uma fotografia dele com um casaco de gola de pele de bicho como a senhora usa e todo empenado junto a um carro que era um mistério de grande.
INOCÊNCIA
Que sorte! Que Deus tenha piedade de nós.
MATILDE
E não nos tire o sono que ainda é nosso!

IV

Sala de estar. Emírcio e Laura recebem pela primeira vez fora do seu circulo. Os convidados são os Souza a quem a fortuna diminui a olhos vistos mas que se relacionam com a alta burguesia local por laços de sangue. Antes de se dirigirem para a mesa de jantar, Emírcio serve uma bebida do tempo da sogra e que ele utiliza pela primeira vez como aperitivo. A senhora Souza (Márcia) depois de a beber fica congestionada.

EMÍRCIO
(Senta-se à mesa e dirige-se aos convidados.)
É sentar, é sentar. A dona Márcia está muito corada. Sente-se bem?
SOUZA
Deve ter sido do aperitivo. (Carrega na última palavra)
LAURA
Se calhar bebeu-o para não fazer uma desfeita.
SOUZA
Nós costumámos apreciar muito o Madeira seco. Faz hoje uma semana que em casa do Zezinho Albuquerque bebemos um de estalo. (Para a mulher) E não te fez mal. (Faz um sorriso amarelo)
LAURA
Madeira seco, senhor Souza?
SOUZA
É um bom aperitivo. (Olha de soslaio para Márcia)
LAURA E EMÍRCIO
Ah!
EMÍRCIO
Para a próxima não servirei mais aquela bebida de minha sogra.
SOUZA
Sabe doutor, o Martini seco é muito suave e cai sempre bem como aperitivo antes das refeições.
EMÍRCIO
Seco e então o doce?
SOUZA
O doce tira o apetite. (Ri-se para a mulher)
MÁRCIA
(Arregala os olhos para Souza)
Toni, já me sinto melhor!
LAURA
(Quase a gritar)
Rapariga, traz a sopa! Nunca me lembro do nome dela.
Inocência entra na sala vestida com a farda da criada mais velha e começa por servir Emírcio.
EMÍRCIO
(Enchendo muito o prato)
Serve a sopa à senhora de Souza.

Inocência não percebe e dirige-se a Souza. Ao tentar colocar a terrina no lado direito deste engata a manga da farda nas costas da cadeira e ao procurar equilibrar a terrina faz com que a sopa se derrame sobre Laura sujando-lhe o vestido e parte do pescoço.

LAURA
(De pé e a gritar)
Ai o meu rico vestido! O meu vestido novo! Sua porca de merda!
MÁRCIA
(Levantando-se e fazendo um esforço enorme para não rir.)
Minha querida, vamos! Vou ajudá-la a mudar de roupa!
SOUZA
(Contendo o riso, fala com dificuldade.)
Já passa, já passa! Foi apenas um caldo derramado. (Voltando-se para Emírcio) Há tempos em casa da Mia Sotto aconteceu o mesmo. Foi uma risada geral. Quem mais se riu foi o almirante Rodrigues que é cunhado do sogro dela. Começou logo a imitar uma refeição a bordo de um barco fustigado por uma tempestade. A própria vítima também se divertiu muito.

Emírcio que tinha agarrado a colher com muita força começou a descontrair. Inocência parece uma estátua. Emírcio desculpando-se pede a Souza para esperar um pouco e diz a Inocência para o seguir. Souza fica sozinho e passa o olhar pela sala de jantar fixando-se numa cópia de um retrato de Pio IX. Emírcio ao passar pela cozinha ordena às outras duas criadas para o seguirem até à falsa.
Continua

Wednesday, September 27, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação de 26.9.06

SOGRA
(Grita do quarto)
Inocência, minha querida neta, que vai ser de mim agora!

(Inocência entra na viatura e do banco traseiro acena para a mãe. O pó que o carro faz levantar da estrada de terra envolve a Camponesa e seca-lhe as lágrimas.)
III
(No sótão de uma casa citadina é meia noite. Inocência é a última a chegar. Vem cansada. Esteve a trabalhar desde as seis e meia da manhã.)
AURORA
(Sentada no bacio, urina.)
Aquela nojenta da Dona Laura não me largou todo o dia. Primeiro foi a sopa que estava salgada e fria. Depois foi a carne assada que não estava como de costume. Estava dura! Nem que fosse eu a vaca! O que ela disse da sobremesa... Estava tudo um horror! Cadela! E comeu tudo como um alarve.
MATILDE
(Desfazendo o carrapicho encanecido)
Tens sorte, os tempos são outros! Quando vim para cá puseram-me na cozinha às cegas e como não lhes fazia a comida a jeito era raro o dia que não apanhava pela cara. Foi a mãe da senhora quem mais me bateu.
AURORA
Nem mesmo assim deixaste de lhe lamber o cu quando ela adoeceu. E no dia que morreu choraste e berraste que nem uma cabra como se ela fosse tua mãe. Quem te desse!
MATILDE
Vivi mais tempo com ela do que com minha mãe. Que havia de fazer?
AURORA
(Levantando-se do bacio)
Esta (atira os calções à cara de Inocência) não vai ficar por cá por muito mais tempo. Se não fazes o serviço como deve ser, estás aqui está no olho da rua. És mesmo uma desgraça a servir à mesa!
INOCÊNCIA
(Deitando-se, olha para o tecto)
A senhora Aurora se estivesse no meu lugar também ficava sem saber o que fazer. Lá em casa, o que há para cada um é uma colher de pau. Garfo, só meu pai é que tem.
MATILDE
E facas para cortar a carne?
AURORA
(Gargalhando)
Só se fosse carne de morto!
INOCÊNCIA
Credo, senhora Aurora! Apesar de tudo, minha avó contou-me que comeu carne de vaca quando era nova.
AURORA
(Com ar escarnento)
Se calhar era bife!

(Continua amanhã, 27.9.06)

Tuesday, September 26, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO
Continuação do dia 25.9.06

CAMPONÊS
(Agarra o filho)
Meu filho de puta, vais pelo mesmo caminho. Não voltas mais à escola! O sacho é que vai ensinar!
CAMPONESA
Tu estás doido! Deixa o nosso filho que ele não te fez mal nenhum!
CAMPONÊS
(Solta o filho)
É só para comer que serves! Não me digas nada mulher, senão ainda apanhas!
CAMPONESA
Misericórdia Senhor! , que mal é que eu fiz?
(A Sogra sai da cama a custo e dirige-se ao Camponês. Ajoelha-se e abraça-lhe as pernas.)
SOGRA
Tem dó da gente homem da minha alma! Os tempos vão ruins para todos!
CAMPONÊS
Volta para donde vieste alma penada que isto hoje aqui vai virar fogo!

II

(Dias depois, um automóvel pára em frente da humilde habitação do Camponês. Uma mulher de chapéu de aba larga sai da viatura e dirige-se para a entrada. Depois de alguns toques na porta da casa é atendida pela Camponesa com ar de humildade e ao mesmo tempo de desconfiança.)
LAURA
É aqui que vive o Carroça que tem filhas para servir na cidade?
CAMPONESA
(Ajeitando o lenço da cabeça)
É, sim senhora! Faça favor de entrar.
LAURA
(Olha para o interior com repugnância)
Não é preciso. Temos pouco tempo. (Volta-se para o marido que está ao volante) Não é, Emírcio?
EMÍRCIO
Já estamos atrasados.
LAURA
A pequena já está pronta?
CAMPONESA
Desde que recebemos o recado do senhor Prior que a Inocência está pronta. Até tem dormido pouco a pobrezinha.
EMÍRCIO
Deve estar danadinha para partir. (Acende um cigarro e dá ares de impaciência.)
CAMPONESA
(Chamando para o interior da casa)
Inocência! Chega aqui depressa, rapariga! Que é feito dela que ainda agora estava por aqui na porta do quintal?
INOCÊNCIA
(Aproxima-se da mãe e coloca-se a seu lado.)
Que foi mãe?
CAMPONESA
São os senhores da cidade que te vieram buscar!
INOCÊNCIA
(Olha para os sapatos de Laura)
Bons-dias, minha senhora!
LAURA
Pequena, toma as tuas coisas e despacha-te, porque o senhor doutor não pode esperar.
CAMPONESA
(Com ar de culpa)
Tem pouco de seu minha senhora. A senhora sabe como é a gente pobre.
LAURA
(Condescendente)
De pouco lhe serviria. Nos primeiros tempos há-de usar as fardas das outras criadas. O que interessa é que trabalhe e se porte bem.
CAMPONESA
Pode ficar descansada minha senhora porque ela é muito atilada. Assim fossem todas como ela. Com as lides que tenho é ela quem toma conta das irmãs e ainda por cima é que trata da minha mãe que está meio entravadinha.
(Inocência vai buscar a trouxa e momentos depois está de novo à porta. Emírcio detém o olhar nos pés descalços da rapariga enquanto a mãe a abraça.)
LAURA
Vamos, vamos, que não morreu ninguém!
CAMPONESA
(Com a borda do avental nos olhos)
Deus te guarde na sua infinita bondade.
(Continua amanhã,dia 27.9.06)

Monday, September 25, 2006

 

NA SERVIDÃO DO DESEJO

(Casa térrea de aldeia. Na cozinha, o camponês ceia com a família. Todos estão macambúzios. As raparigas mantêm a cabeça entre as mãos. Ao lado, numa dependência miserável, a sogra, adoentada há anos, toma um caldo requentado.)

JERÓNIMO
(Olhando para o prato de sopa, fala para a mãe.)
Outra vez couves aferventadas. E eu que só tenho obrado água de barrela.
CAMPONÊS
Comes o que te puser no prato ou machuco-te esses ossos!
CAMPONESA
Valha-nos Deus! Não vês que é a soltura que o faz falar assim. (Para o filho) Hoje não há mais nada para comer.
CAMPONÊS
Malandro. Já nem sabes pegar no sacho! (Faz o gesto de quem vai bater no filho. O rapaz desvia-se instintivamente.)
CAMPONESA
O rapaz não tem quinze dias que chegou da tropa e já o queres matar com trabalho!
CAMPONÊS
Este malandro levou-me as últimas patacas. E tudo para quê? Para gastá-las na caserna comendo que nem um patrão, enquanto a gente se matava a trabalhar.
JERÓNIMO
Não tenho culpa de ter nascido!
CAMPONESA
Ai que pecado! Tanto sacrifício a gente fez para te criar e tu, meu ingrato, a falares assim. Até ofendes a Deus Nosso Senhor!
CAMPONÊS
Malvado, um dia ainda te mato!
INOCÊNCIA
(Filha mais velha que chora)
Deus tenha piedade de nós! (Benze-se)
CAMPONESA
(Levanta-se e dirige-se para o fogão e olha para a panela)
Acabou-se. Agora é rezar e deitar. (Para o filho) Tu não vais para a deita sem tomares a mezinha que a Tia Cesaltina te mandou. Não te esqueças de lhe dar um pouco de lume.
CAMPONÊS
Para que te apoquentas com este desgraçado se ele não quer saber da gente?
JERÓNIMO
Meu pai sabe muito bem que na tropa ninguém me dava nada. Nem tinha dinheiro para os cigarros quanto mais para os selos.
CAMPONÊS
(Dirige-se ao filho e começa a bater-lhe.)
Eu dou-te os cigarros, meu canalha! Eu mato-me a trabalhar meu filho de puta!
CAMPONESA
(Interpõe-se entre pai e filho)
Olha que matas o rapaz!
(As raparigas fogem para o quarto da avó, onde dormem, o filho mais novo chora junto ao fogão de lenha. O Camponês corre para ele e bate-lhe na cara. Jerónimo foge.)
Continua amanhã, dia 26.9.06.

Sunday, September 24, 2006

 

O BITEÍSTA - FIM


O BITEÍSTA
Continuação do dia 23

SÓCRATES
Lá se foi embora a luz!
MANDALA
Se eu quiser que seja uma qualidade digo que o um é um no quadro das quantidades separadas do acidente. Um grau negativo geograficamente falando pode ser uma qualidade de vida para mim e pode significar a morte para um semelhante que não sobreviva a temperaturas tão baixas.
SÓCRATES
A temperatura é um acidente e como tal variável. Não se podem comparar. O número é um ser que se pode aplicar ao sensível.
MANDALA
É uma espécie de Teoria das Ideias vista de lado.
SÓCRATES
Sim, se assim o entendermos. Mas neste caso de teoria é sempre algo desligado do mundo das ilusões sensíveis.
MANDALA
É por isso que não é possível enganarmo-nos quando entendemos o número como adjuvante do acidente.
VARETT
Até que enfim!
MANDALA
Retirando a qualidade ao número é como retirar a visão ao homem na sua ralação com as coisas visíveis.
SÓCRATES
E para que serve a visão nesse mundo das ideias perenes?
MANDALA
Era para as ver...
SÓCRATES
Não é preciso. Elas preexistem. Dão-se a conhecer por elas próprias.
MANDALA
Por intuição?
SÓCRATES
Por inerência. Por castigo se incorporam.
VARETT
Isso vem nos livros.
MANDALA
Temo que afinal o número não exista senão na cabeça de cada um.
VARETT
A cabeça é o adjectivo do número.
SÓCRATES
Como base de entendimento.
MANDALA
Aproveitando a sua estadia entre nós, diga-me, estimado senhor Sócrates, se o Universo tem a medida do homem ou a medida dele mesmo (Universo)?
SÓCRATES
O homem é a medida de todas as coisas, já dizia o outro.
MANDALA
É uma medida reducionista. As baratas fazem o mesmo.
SÓCRATES
A minha dimensão é o meu mundo.
MANDALA
A dimensão é de cada um, embora, só haja uma verdadeira dimensão.
VARETT
E quem vai arbitrá-la?
SÓCRATES
A própria dimensão!
MANDALA
É juíz em causa própria!
VARETT
E o número? Só há um verdadeiro número?
SÓCRATES
Claro!
MANDALA
A bola de cada um, perdão o número de cada um. A cada um o ek-stase do um em si.
VARETT
Uni-vos ó uns de cada fábrica, perdão de cada mente, para melhor compreensão.
SÓCRATES
Já estão unidos em um.
VARETT
A união faz a força!
SÓCRATES
Adeus, até ao um-um.
MANDALA
Ao um divisível no um em si e no um ek-stase, se isso for possível.
VARETT
Cada vez aprendes menos!
MANDALA
Ao menos...
PD/2001

Friday, September 22, 2006

 

O BITEÍSTA
Continuação do dia 21.9.06

SÓCRATES
Se me pedires um euro e eu o tiver, dando-te não me enganarei.
VARETT
E ele só ficava com um euro.
SÓCRATES
É isso mesmo. Um é um. É um ser idêntico a ele mesmo. Não há duas substâncias iguais. Isso geraria confusão.
MANDALA
Mas, senhor Sócrates, o senhor deu-me um euro. Não me deu o um.
VARETT
Irra, que é burro!
MANDALA
Se eu sou burro, então, dá-me o um e não me dês o euro.
VARETT
Exmº. , senhor Sócrates, já viu onde se veio meter?
SÓCRATES
Um é uma ideia geral. É um conceito. Serve para nos entendermos no universo da compreensão. O euro é um acidente.
MANDALA
Senhor Sócrates , se eu hoje compro com um euro duas laranjas e amanhã com o mesmo euro comprar só uma laranja, pode dizer-me o que aconteceu?
VARETT
Irra, que é burro! Isso é inflação!
MANDALA
Mais me ajudas. No terreno, um pode ser um num dia e no dia anterior pode ter sido dois.
SÓCRATES
Isso é uma questão que diz respeito a valores subjectivos. Pode ser explicado pelo acidente em si. A ideia de número mantém-se. É que passado um século sobre esta referida inflação, eu poderei relatá-la sem me enganar e explicar o processo operatório que faz com que o um tenha equivalência a dois.
VARETT
Estás a ver a correspondência?
MANDALA
Estou aqui estou na Bolsa de New York.
SÓCRATES
As entidades abstractas são figuras apelativas do raciocínio e que poderão ou não ser aplicadas no terreno das sensibilidades conforme os casos.
VARETT
É como a malta quiser!
MANDALA
Senhor Sócrates, o número um é uma quantidade ou uma qualidade? Para mim é ambas as coisas.
Continua amanhã, dia 23.9.06

Thursday, September 21, 2006

 

O BITEÍSTA
Continuação de 20.9.o6

VARETT
No século XVI, ora se vias! Pai, Filho e Espírito Santo. Três deuses num só.
MANDALA
Dois é o que é! E então três?
VARETT
Tu não és crente! Nada vês! E o maior cego é aquele que não quer ver.
MANDALA
As bolas eu vejo, embora lá no abstracto as confunda. Será que distingues os teus três deuses que são um só?
VARETT
Não, porque é um mistério.
MANDALA
Eu também achei um mistério saber com certeza quando a bola z é mesmo a bola z e não a y. A minha confusão é grande e estou a vê-las mesmo à minha frente abstractamente. Por que razão não as sinalizei para as poder distinguir?
VARETT
Tu és limitado! Não és deus!
MANDALA
Lá isso é verdade, mas pelo menos sou dono do absurdo. Posso servir-me dele a meu bel-prazer. Enquanto ele (deus) está a tanto impedido, pelo menos em relação a ele mesmo. Porque se um dia correr o risco de ser absurdo, será o fim dele.
VARETT
Deus não tem fim!
MANDALA
E tu qua não acabas com essa de deus não ter e não poder ser. Ele nem pode ter fim! E para mim basta. E se ele não pode, posso eu pôr um ponto-fim a esta conversa.
ADENDA
SÓCRATES
Estive a ouvi-los sentado naquela nuvem.
VARETT
Vai um copo? Eis aqui um que está vazio e que foi deixado por Alcibíades...
MANDALA
Senhor Sócrates, já agora, diga-nos o que achou desta conversa?
Continua amanhã, dia 22.9.06

Wednesday, September 20, 2006

 

O BITEÍSTA
Continuação de 19.9.06

MANDALA
O número um é o mesmo que eu utilizo aqui nesta (conta) operação de somar idêntica à mesma conta de somar executada por um americano na Lua, no mesmo momento. Esse número um é comum na cabeça, mas pode não ser igual, uma vez que estão tratados em espaços diferentes. Espaços físicos e mentais diferentes. Para que fossem considerados iguais teriam que possuir os mesmos acidentes (no caso seriam adjacentes a um determinado objecto – mental ou físico). Por exemplo, uma soma de bolas idênticas (iguais) com cores idênticas, peso, etc.
VARETT
Compreendo. Porém, acho que o número um é o número um em qualquer parte, por isso é ele próprio.
MANDALA
É igual enquanto entidade essencial. E é com esta identidade essencial que se dão forma aos exercícios universais. É facto que eu posso utilizar essa identidade essencial sem margem de erro formal.
VARETT
Se é universal a tua identidade essencial não é confundível. Ficámos na mesma. O universal é o universal. E, não vamos reviver aqui a polémica do universal.
MANDALA
É verdade! O truque das duas bolas iguais-iguais era para confundir, porque uma bola com as mesmas e totais características de outra não é senão ela mesma.
VARETT
Como?
MANDALA
Uma bola das atrás citadas é como se se tratasse de um número. Por exemplo, o número um é sempre um quer tenha ou não acidente.
VARETT
Esta conversa foi só pura perda de tempo!
MANDALA
Lá isso é verdade. Porém, o que é certo é que mesmo no mundo da abstracção pode haver confusão na identidade das bolas se elas não forem sinalizadas.
VARETT
Creio que não! Então, as bolas não foram, há pouco, tratadas como números, ideias gerais e universais?
MANDALA
Fiquemos por aqui. Outro que resolva esta questão de as bolas lá no abstracto serem tão iguais quanto os números. Se assim as considerarmos... Só queria que me dissesses a qual dos deuses vais orar hoje?
VARETT
Eu sou monoteísta. Ora que pergunta!
MANDALA
Eu já era! É que depois de um deus ter criado outro deus igualzinho a ele, eu passei a ser biteísta. Isto para não me enganar em qual dos dois vou votar, digo, vou pedir perdão pelos meus pecados.
VARETT
Isto é impossível! Um deus nunca criaria um ser igual a si. Porque, depois nunca o poderia fazer desaparecer.
MANDALA
E porquê?
VARETT
Porque não pode! É um absurdo e por sê-lo ele nunca o faria. Por outro lado, fazer desaparecer o compadre dependeria deste querer ou não desaparecer. Trata-se de um deus ek-stase, também todo poderoso.
MANDALA
Dois deuses são um absurdo. Um só não é. Parece que impedes deus de ser absurdo?
VARETT
Claro!
MANDALA
Assim sendo, acabas por retirar a deus certas possibilidades. Acho que isso o delimita. Ora, não é essa uma “qualidade” que se deve atribuir a um tal ente todo poderoso. É que ele estando impedido de realizar outro deus com as suas características, já não é 100% omnipotente, omnipresente e omnisciente. É que dois deuses iguais acabariam por ter de dividir tudo o que existe entre si. E deus não se pode dividir. É contrário à sua natureza. Não seria deus. É para já uma impossibilidade de deus. E deus com impossibilidades é cá uma coisa de todo o tamanho.
VARETT
Negas, então, a Santíssima Trindade?
MANDALA
Não estou a vê-la!
Continua amanhã, dia 21 de Setembro de 2006

Tuesday, September 19, 2006

 

O BITEÍSTA
Continuação de 18 de Setembro de 2006

MANDALA
Toma a z e toma a y. Muito bem! Agora ouve: troquei-as de propósito e assim tu julgas que uma é a bola z e a outra a bola y. Para ti uma é a outra. Porém, na realidade o que tu tens é uma troca de identidades de bolas.
VARETT
Troca de identidades? Não! O que fui foi aldrabado.
MANDALA
É possível trocá-las uma vez que não estás dentro delas. Qualquer distracção na concentração leva-te ao engano. Não é preciso que seja eu forçosamente a enganar-te.
VARETT
Estás a chamar-me de incapaz?
MANDALA
Não! Estou é a dizer-te que estás enganado em relação às bolas. Mais! É que eu já não sei se as troquei, porque não tenho a certeza de a bola z ser a bola y, como procurei fazer-te crer.
VARETT
Não bebas mais! Tu estás a ver bolas trocadas onde nem sequer as vejo.
MANDALA
Fecha os olhos e faz pressão com o dedo num deles.
VARETT
Estou a fazê-lo.
MANDALA
Não vês o fosfeno?
VARETT
O quê?
MANDALA
Não vês um circulo luminoso que depois desaparece quando alivias a pressão sobre o globo ocular?
VARETT
É verdade!
MANDALA
Vês, e tu não és burro. É uma luz amarelo claro que vai e vem conforme pressionas ou não a vista. É um circulo. Cada olho é dono de um. Imagina que tinhas a possibilidade de trocar os olhos. O da esquerda ia para o lugar do da direita e vice-versa. Achas que os fosfenos pertencem a cada olho ou permaneceriam na concavidade ocular correspondente?
VARETT
É óbvio que cada fosfeno é pertença do seu próprio olho. Porque se eu tirar um olho, o outro ficará com o seu fosfeno. Portanto, não há confusão.
MANDALA
Imagina um mundo muito avançado que pudesse fotografar cada fosfeno. Se depois te mostrassem fotos deles, não ficarias confuso com as suas parecenças?
VARETT
Penso que sim. Porém, cada fosfeno é ele e não outro.
MANDALA
Claro! Uma coisa é ela mesma, mesmo que nós mortais as confundamos, como atrás parecia ir acontecer. Cada coisa carrega ela mesma a sua própria identidade. As coisas conscientes sabem disso. As outras não.
VARETT
Então, só uma identidade consciente não se confunde com outra?
MANDALA
Talvez. Há pessoas (os actores, por exemplo) que se confundem (elas mesmas) com as personagens que incarnam. Até é preciso fazer-se uma cura de procura de identidade perdida.
VARETT
Vamos lá a ver... Os números são identidades inconfundíveis. Eu não confundo o número um com o número dois, apesar de estarem “lá em cima”.
Continua amanhã, dia 20 de Setembro

Monday, September 18, 2006

 

O BITEÍSTA - Continuação

MANDALA
Não deixa de ser um acto inteligente. Porém, tratando-se de um acidente no objecto, nada impede que este acidente acessório não sirva senão para o mundo sensível. Mas mesmo assim eu posso arrefecer a que foi aquecida sem dares por isso e aquecer a outra. Logo a confusão estaria estabelecida novamente e, portanto, nem a cor nem a coisa te poderiam ajudar.
VARETT
Não me chateies! Então, observa-as cientificamente e resolves o problema da caca com que estás a querer estragar esta linda “tarde marítima”.
MANDALA
Não posso andar com um laboratório às costas sempre que deparo com confusões de identidade.
VARETT
Problema teu! Confundir coisas é banalíssimo.
MANDALA
Claro! Mas estas questões transportadas para o mundo das banalidades não se tornam assunto interessante. O que eu quero é confundir duas essências evidentes e iguais.
VARETT
O quê? Parece que esta conversa é impossível...
MANDALA
É possível. Repara no seguinte problema: uma pessoa que acredite num Deus único, Criador , omnipresente, omnipotente, omnisciente, etc. e tal, é-lhe proposto o seguinte: esse mesmo Deus cria um Deus igual a Ele. Nada o impede de realizar tal façanha pois para Ele nada é impossível. Não achas que estão criadas condições que facilitam grandes confusões? Teríamos de Os sinalizar para que não surgissem dúvidas na sua (da pessoa) mente. A quem dirigiria essa pessoa as suas preces?
VARETT
Voltemos às bolas, pois, pelo menos, o problema é mais palpável, se é que este termo pode ser empregado nesta questão.
MANDALA
Voltemos pois. Se eu der consciência à bola z e à bola y, de certo não teria problemas em detectar a identidade de uma e de outra.
VARETTA
A temperatura acidental funciona tal qual a consciência, como modelo de distinção.
MANDALA
Embora a temperatura seja passível de medir-se o que já não acontece com tanta facilidade com a consciência.
VARETT
Bruxo!
MANDALA
Voltemos às bolas iguais sem temperatura e sem consciência e aceitemos o determinismo de que as bolas seriam iguais em intensidade de cor, de forma, de volume e peso. Assim sendo, eu poderia afirmar o seguinte: uma provavelmente seria a outra no laboratório da alta ciência se não utilizasse um sinal de referência para as distinguir. Para não as trocar e não ficar trocado eu teria de as colocar uma em cada mão. Agarradinhas não me confundiriam. Se as passasse para o mundo da minha mente eu poderia afirmar que uma era provavelmente a outra, pois não as tinha entre mãos. Havia a possibilidade de acertar e ao mesmo tempo de errar. Uma das vezes eu diria que z era z, para logo a seguir poder enganar-me e dizer que z era y. E não sei se isso seria certo porque às tantas z e y só se distinguiriam pelo espaço que ocupassem quer no terreno do sensível quer no terreno do abstracto. Continuo com duas bolas e uma é ela própria assim como a outra com ela não se confunde.
VARETT
Que confusão!
MANDALA
Eu vou oferecer-te duas bolas. No caso a bola z e a bola y atrás referidas. Só que te as ofereço abstractamente.
VARETT
Obrigado!
Continua amanhã, dia 19 de Setembro de 2006

Sunday, September 17, 2006

 

O BITEÍSTA

MANDALA
Eu vejo coisas e cores. Estão as cores nas coisas ou as coisas na cor? As cores distinguem as coisas enquanto acidentes nestas? Como são diferentes coisas iguais com cores iguais? Coisa com uma forma e cor próprias distingue-se de outra idêntica como? Na ausência de uma coisa igual a ela, como descubro que é ela e não outra? Uma bola (z) com um centímetro cúbico de volume e outra bola (y) com o mesmo volume! Ambas pesam o mesmo. Têm a mesma cor e não se podem distinguir facilmente. Isto é, só podem ser distinguidas em laboratório. A coisa (z), ela mesma, não se pode distinguir humanamente da outra coisa (y), uma vez que parecem iguais. Eu não confundo as cores com as coisas. Mas posso confundir uma coisa com cor e forma de uma outra com cor e formas iguais. Dado que a bola (matéria) é pertença do mundo sensível, enquanto observável, é plausível eu não me enganar se exercitar a observação científica. Para facilitar a distinção da forma e do peso (z) eu poderia aplicar uma cor diferente a (y) e já não as confundiria. No mundo da abstracção e num jogo de trocas possíveis, eu estou sujeito a confundir z com y. Basta que eu não consiga distinguir uma das bolas, uma vez que as coloquei longe no “meu campo de as percepcionar abstracto”, (campo de visão “abstractiva”). Se eu substituir as bolas por números, captarei mais facilmente o “instinto” de confusão, uma vez que os números estão “colocados” no mundo do abstracto em muito mais vezes do que os objectos. Refiro números iguais! Por exemplo o um com outro um. Para facilitar, poderia “marcar” cada número igual a outro com um sinal. Aqui, estaria a adulterar a capacidade de observar e não está no âmbito desta questão. Será que é mesmo uma questão?
VARETT
Se bem me parece, raciocinar até que pode dar de comer. Imagina tu que eu distinguia facilmente coisas físicas iguais, fazendo apelo à minha inteligência?
MANDALA
Como?
VARETT
Aquecia uma das bolas e logo ficaria a saber qual delas se tratava.
Continua amanhã, dia 18 de Setembro de 2006

Saturday, September 16, 2006

 

AMARGURA

Conclusão
MANDALA
Julgo que não, visto a linguagem ser um auxiliar-tradutor com limitações.
VARETT
Se a linguagem é limitativa, o que me custa a crer, como é possível quantificar emoções traduzidas tão claramente por ela?
MANDALA
Quando os homens desconheciam a circulação do sangue, não lhes passava pela cabeça que para além da circulação as veias e o próprio sangue estavam sujeitas a pressão. Nunca mediste a pressão arterial? Os aparelhos que a medem dão-nos números e não emoções. Embora alguns números traduzam tonturas, desinteresse, etc., certas avarias no coração detectadas por aparelhos específicos podem significar morte imediata. Vê-te num desses momentos lúcido que nem um pêro. Procura traduzir o que sentes. Não seria muito melhor seguir as instruções dos aparelhos que quantificam situações melindrosas em vez de te aturar?
VARETT
Se Sócrates aqui estivesse dir-te-ia que confundias num só conceito – no caso a amargura - coisas ou ideias diferentes. Amargura visitada no laboratório não é a mesma que amargura sugerida por uma situação de possível perda de felicidade (no terreno humano).
MANDALA
Assim como um tacho não é uma panela de pressão. Achas que eu ia perder tempo com isso? Traz-me a sopa que a fome aperta.
VARETT
Qual das sopas queres? A que foi feita no tacho ou na panela de pressão?
MANDALA
De que é a sopa que cada um destes utensílios contém?
VARETT
De feijão!!!
Junho de 2001
FIM

Friday, September 15, 2006

 

AMARGURA

MANDALA
Suponhamos um homem a correr à velocidade média de 30/km/hora numa planície. Se ele deparar com uma elevação no terreno, para manter a velocidade média, terá de esforçar-se mais para subi-la. Esse esforço nos nossos dias poderá ser quantificado. Já o fazem com atletas que praticam desportos violentos como futebol. Esses atletas quando terminam as provas onde despendem grande esforço ficam a saber qual foi o peso do desgaste em gramas.
VARETT
Enquanto se pode quantificar o desgaste físico, não se pode fazer o mesmo com a amargura que ninguém vê. Apenas o próprio que a possui poderá referi-la.
MANDALA
O mesmo acontece com um homem que parta a perna. Só ele sofre a intensidade da dor. Só ele a conhece. No entanto, nada impede que o médico o não cure e lhe acabe com a dor. Entre o sofrimento e o fim da dor, a Terra permitiu-se um determinado número de rotações. Se um médico quiser pode saber os resultados de uma determinada acção em que esta lhe permita criar uma situação de intensidade de dor parecida com a que o nosso homem sofreu com a perna partida. Basta actuar na perna de um outro homem, partindo-lhe a perna do modo idêntico ao do primeiro homem. Assim, como se pode criar fisicamente uma situação deste tipo e controlá-la, também psicologicamente se pode ou deve poder experimentar intensidades de amarguras desde que o campo laboratorial possua condições adequadas.
VARETT
Porém, criar intensidades de dor física ou mesmo psíquica não quer dizer poder quantificá-las. Acho isso impossível...
MANDALA
Podes tabelá-las. Podes aproximar-te de resultados uniformes em situações comuns. O que pode considerar-se um bom começo. Criar uma situação de amargura determinada ou criar-se uma determinada dor experimentalmente acompanhada é um passo enorme na quantificação daquilo que parecia impossível há tempos atrás.
VARETT
Explica melhor o que entendes por uma situação de amargura determinada.
MANDALA
Por exemplo, na chamada II Guerra Mundial, quando os alemães separaram os pais dos filhos dos povos perseguidos. Vejamos o seguinte: imaginemos que horas depois da separação, os americanos libertavam os pais e lhes entregavam os filhos sãos e salvos. Esta”experiência”, chamemo-la assim, pode ser repetida no laboratório da História várias vezes e também no laboratório da história do espírito do homem (pois de homens se trata e não de borboletas por enquanto). Estaríamos perante um acto experimental no quadro das emoções humanas.
VARETT
Achas que se podem definir por palavras rigorosas emoções humanas?
(Continua amanhã)

Thursday, September 14, 2006

 

AMARGURA

VARETT
Será que o homem pode quantificar a amargura?
MANDALA
Um homem que conheça o seu estado clínico e saiba que não tem mais do que dois meses de vida (cerca de 182 rotações da Terra) viverá mais amargurado do que outro que não tendo qualquer doença esteja condenado a morrer naturalmente quando a Terra perfizer sobre a data do seu nascimento cerca de 30.000 rotações? Uma amargura reduzida a 182 rotações é matematicamente diferente da que se estende por 30.000. Neste último caso, ela a amargura é tão ténue que dir-se-ia inflacionada.
VARETT
E que me dizes a uma amargura que nada tenha a ver com tempos de vida e de morte? Poder-se-á quantificá-la? Por exemplo, a amargura de não se saber se um ente querido estará feliz ou não após ter-se tido conhecimento de o mesmo ter sido vítima de uma rotura sentimental
MANDALA
Embora este tipo de amargura difira da que acabámos de referir, esta aflição terminará após conhecermos a situação do parente “acidentado”. O que equivale a dizer que as rotações do planeta não param e que podemos contá-las a partir do conhecimento do “acidente” até termos sabido o seu resultado ou desfecho. Não se pode deixar de pensar em quantidades desde que as relacionemos.
VARETT
Surge-me outra dúvida. Se posso relacionar amargura com tempo-rotações, já o mesmo não poderei fazer com a intensidade da amargura. Pois sei, por experiência própria, que há momentos de forte e intensa amargura e outros de menor intensidade de amargura.
(Continua o diálogo amanhã dia 15 de Setembro)

Wednesday, September 13, 2006

 

A ARA DO TEMPO


AMARGURA

(Texto e Diálogo criados em 2001)

Com que noção de tempo lidaríamos se não habitássemos num planeta que apresenta um movimento de rotação que depois de dividido em horas, minutos, etc., serve de base cronográfica do passado e possível calendarização do futuro? O tempo que não é do homem torna-se propriedade deste... A duração do tempo do homem – chamemo-lhe de psicológico para nos ajeitarmos ao discurso – varia de observador para observador. A um observador-paciente a quem fora imposta uma pena prisional e que tenha vontade de tornar a ser livre, o tempo “custará” mais do que um outro em gozo de férias e que as procure prolongar. Como quantificar universalmente o tempo psicológico sem pressupostos subjectivos? Por que não “medir” primeiro o homem para depois quantificar-lhe o tempo? O tempo que o homem pensa pode não ter validade vital. Por exemplo: o cérebro humano sem ser irrigado pela corrente sanguínea deixa de “funcionar”, levando à morte cerebral se o prazo de interrupção da dita corrente ascender a mais de dez minutos. Neste caso, a validade vital só poderá contar com o tempo material, tendo como objectivo manter viva a pessoa a quem foi interrompido o fluxo sanguíneo. O tempo mental é uma outra “realidade”. É a realidade do erro! O tempo mental em sendo erro é eliminado-secundarizado pela falta de utilidade material (rigor) . O tempo mental é a interpretação do movimento subjugado ao sujeito. O tempo material é a própria matéria. O tempo material respeita prazos independentemente dos pressupostos do tempo mental. Prazos esses que se encontram na própria matéria. Uma velocidade infinitamente mínima (pequena) não percorre a distância que liga dois pontos. Pensemos o ponto A e o ponto B. Uma velocidade infinitamente máxima anula a distância entre os dois pontos A e B. Tornaria o ponto A “coincidente” com o ponto B. Uma velocidade relativamente humana palmilhará e encontrará os dois pontos que distam um do outro duas léguas, por exemplo. O movimento, a velocidade e o tempo gasto a percorrer a distância entre os dois pontos encurtecem ou alargam a mesma distância, apesar de os pontos se manterem inalteráveis na sua posição. Uma velocidade tal que “pense” o ponto A e o ponto B num só momento, terá tempo? Considerando esse momento um tempo zero, poder-se-á, nesta específica condição, obter um espaço zero?, embora seja aceitável que A diste de B determinada extensão ou extensões consoante as diversas velocidades que entre eles se concretizem.
Segue amanhã o diálogo entre Varett e Mandala sobre o tema.
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Tuesday, September 12, 2006

 

A EXPLORAÇÃO DOS VIVOS

(Continuação do dia 11.9.06

Onde prospera o abraço não cresce humanidade. Eu dividirei as minhas dúvidas, como alargadas heranças, não com escravos mas a senhores. Eu lavarei os deuses contaminados de tanta posse e de tanta lambidela. Eu os voltarei a colocar nos mesmos altares, desta vez com etiquetas. Eu não substituirei o amor aos deuses por ódios e descrenças. Dar-lhes-ei utilidade não permitindo que alastrem ainda mais o seu silêncio de bons anestesistas. Torná-los-ei mestres-escola na mímica dos seus gestos. Não falarão mas gesticularão. De noite até podem dormitar; o gesto estará mecanizado para outras invenções. Tornar-se-ão mecânicos humanizados. Que deuses! Assai no Inferno os que pensarem que os deuses se darão de todo. Haverá deuses para os mais prósperos , mulheres e crianças. Abrir-se-ão excepções às crianças, nunca a mulheres. Nem será tanto necessário pois são muito fiéis aos deuses e a nada mais. Os que nada têm utilizarão os deuses suplentes que têm dado muito jeito por causa das aglomerações. Tudo isto não só a pedido dos “meiosdointelecto” como também para - não vá o Diabo tecê-las - atender a hipótese de algum querer mudar de altar. Ter-se-á também em conta os deuses modernos. A estes, pelo facto de não se poder ainda recambiá-los por motivo de contenção de despesas, permitir-se-á casarem ou acasalarem ou acasalarem conforme as suas tendências e orientações libidinosas. São deuses! E as despesas de manutenção serão a dividir. O que convém muito. Aos deuses e seus amigos tudo será facilitado. Deverão respeitar os mais velhos segundo a ordem de chegada aos altares. Porém, isto deverá ser previamente acordado por uma “AssembleiadeBonsCidadãos”. Estes não precisam de ser testados seja em que for, pois, são eles que ficam com o encargo de defenderem os deuses de possíveis ataques e de estarem atentos às suas necessidades. Não se criarão oráculos nem catedrais sem se saber se estarão geopoliticamente enquadrados no paralelo das riquezas espirituais de cuja emanação se espera muita matéria perceptível. Só uma divindade que morre tem um morto por adulador! Os deuses querem-se vivos dentro e fora de nós. O nosso fim são os deuses embora estes não o tenham. E aqui residem os mistérios que não de Eleusis mas dos que os serviram e bem. Certamente que um bom desempenho será compensado pela infinita contemplação. Todo aquele que foge da morte é como o falso tradutor que lê e traduz uma carta de amor de um amigo à namorada tendo ele (tradutor) apaixonado-se por ela...


Monday, September 11, 2006

 

LITÓSOFA

LITÓSOFA
O que acompanha a coisa? O entendimento ou fazemo-la entendimento? Os entendimentos são fortes e fracos. O mesmo entendimento que num caso liberta intensidade, noutro pode reportar-se a pura perda de intensidade consentida a posteriori. O que viaja no ventre da vida é a morte. A morte parasita a vida. É no percurso da vida que ela “salta”. Ela não é a eterna apaixonada. Ela não sabe o que é paixão. A morte é um corpo pois faz-se transportar. Ela e a paixão são só companheiras separáveis. O que recorda a morte é um corpo. Sem um “corpodemorte” só o Livro dos Mortos a substitui. Se retirar os peixes de um rio, ei-los mortos! Se retirar o rio dos peixes, ei-los, também, mortos! Ei-los mortos de duas maneiras para a mesma morte. De qual das duas situações é a morte mãe adoptiva? Será a morte uma descoberta do entendimento, ou tem ela um fim? A morte é a nacionalidade dos seres vivos enquanto território privado. Estão todos certificados numa identidade. Fazer desaparecer um morto é como fazer desaparecer um vivo. O crime torna-se perfeito. Divino! Não se pode fazer desaparecer um morto nem um vivo...
ACADEMIA DE MORTOS

A EXPLORAÇÃO DOS VIVOS

A morte é de quem chega primeiro! Quem anda limpa o chão do mundo das impressões que acusam esta permanência do sentido. Conheço a água que me “faz” o sentido à sede. Que explicação tenho quando me sacio se antes orientava o caminho sabido pelas marcas do espanto? Eu estou cheio de visões. Visões de estrelas, de choros e gargalhadas isoladas fingindo-se o grupo consciente; colectivamente interpretante que quer dominar as franjas elásticas de tanto perseguidas. Que finitude é esta destes arranjos feitos à medida dos compromissos. Que racionalidade é esta que tudo quer racionalizar já estando tudo racionalizado? Programa redigido por incumbência do mesmo dito e redito. Que pareceres sobre carne queimada a torna fresca e em estepes cavalgando? Este é o “Testamento Futuro” onde nem Pai que se “espermatiza” inscrito está! A reboque de que tempestades se deve começar por crer que é a devorar que se está no complemento da tarefa que é ser sem pensar no existir? Que leviandade é esta de abandonar o outro na margem onde os cadáveres incansáveis estão satisfeitos por participarem no hino de música e letra de entretenimento sem sequer na mesa dos companheiros ele (o outro) tem direito a lugar?
Continua

Sunday, September 10, 2006

 

LITÓSOFA E ACADEMIA DE MORTOS

LITÓSOFA
Dá às palavras o cheiro que quiseres que eu sou a que se esconde onde a toupeira vivifica. A interpretação que fizeres do que a minha natureza é não te dá senão o direito à passagem secreta onde a imensidade de enganos faz fronteira do comigo e no comigo.
EGNOMASTRO
Requeiro de ti a sanidade pois não falando a tua linguagem, a tua linguagem entendo como rumores de nada afirmares que me leve de um estádio de hipotético a outro que te recorde que é neste vale onde o trigo te alimenta que cobres com o manto do incognoscível os teus pareceres.
LITÓSOFA
Para quê enviar-te para a reserva do possível se podes redimir-te - sendo tu anão - alcançando a altura da visão onde te confundes com o saber das coisas que parecendo que são, são panaceia de intenções que criaste para te apoderares do trigo de nós todos?
EGNOMASTRO
Ah, não! Eu te ajudo pedindo-te ajuda. Eu quero ser o que sou sem dever o nada que me queiram dar, porque de nada me serve. Do nada já eu me sirvo e bem ao ponto de com ele me confundir. E é precisamente isso que eu nã gostaria de querer. Eu não tenho alma de escravo, corpo de escravo ou escravo de coisas. Por que fujo da escravidão sabendo que ela é a minha salvação? Faz-me, pois, teu escravo revoltado e nunca me dês nada que me liberte porque de outra escravidão estaria necessitado porque essa é a condenação. O ser é condenado! Condenado a ser inteligente e activo.
LITÓSOFA
Comummente e atinadamente activo e nunca livre de ser inteligente. Um é o outro. A inteligência do inteligente é o activo. O que é passivo não é comum. Só se sabe o que foi e nunca o que é. O inteligente é o escravo do activo nele mesmo. A inteligência do inteligente é o activo nesta forma recomposta e reescrita nesta: “Ainteligênciadointeligenteéoactivo”.
EGNOMASTRO
O alimento do inteligente ultrapassa a actividade. De que se alimenta o inteligente se não rechear a actividade da posse do entendimento sobre as coisas? E como fazer o entendimento sem recorrer ao que tem significado sobre as coisas? Ou se for possível, nas coisas?
Continua

Saturday, September 09, 2006

 

O texto que devia acompanhar as adendas dos CADERNOS DO OLHAR estava incompleto. Tenho de o reformular. Entretanto, aqui vai um cadernito que coloquei em circulação restrita – como de costume – mas de heterónimo construído. Brincadeiras!
JANEIRO DE 2006

LITÓSOFA E ACADEMIA DE MORTOS

LITÓSOFA
Não havia cadáveres à minha volta. Chamavam-nos cadáveres. Eram tumores da não-existência. Como para dizê-lo e afirmá-lo não fosse necessário sê-lo? Que petulância têm estes sábios de agora em falar e inventar sobre o que as imagens lhes parecem ser. A força desses vivos que se diz já o foram, desdobra-se em mil congeminações para que os traduzamos no seu movimento de pinceladas cheias de cores cúmplices. Não sou obrigada a ser morto! Obrigaram-me a ser vivente. Não tive opção na matéria. Numa matéria que só a mim devia dizer respeito. Só a mim cabe saber se estou morta já que nunca decidi ser viva. Só a mim cabe querer sê-lo, mesmo que a certidão de óbito a parafraseie. Podem-me tirar tudo até o pensamento. Matem-me como quiserem! Não me ponham de pé que me transformo em ampulheta. A minha ampulheta trabalha a urina. No tempo das gotas, cada pingo é uma volta arredondada nas horas cíclicas. Uma morte recheada de recordações, visita régia de uma cultura de solidão onde nem a ignorância quer fazer apeadeiro. Cheirando-lhe a má companhia, ei-la namoradeira sem querer dar nada em troca. Meretriz sodomítica! Não conhece paternidade, mas é legitimada pela angústia que descoberta no pico do horizonte se ilude com o nascer do Sol para depois, quando recolher aos lençóis, perder no sono a identidade. Expectante, tudo avaliza, pois sabe ser sempre ressarcida. Tem família sem nunca ter acasalado. Tem filhos sendo estéril. É forte sem músculos. Não sabe o que é o humor nem como fazê-lo, mas ri-se até ao choro. Rasteja e não é cobra, voa sem ser pássaro. Não se a deseja como guia nas pedras da calçada nem como companhia no banquete dos odores. Cheira mal como companhia e é inodora quando desterrada. Tem sempre sede mas só dá de beber ao sofrimento.
EGNOMASTRO
Dizeres mais de que te servirá, ó Litósofa? Não expressas dor que se veja nem pátria onde te decidas!
Continua

Thursday, September 07, 2006

 

ESMATE

Continuação de 6 de Setembro de 2006

VARETT
Ainda não estou satisfeito com a falta de explicação sobre a filiação que fizeste acerca da emoção.
MANDALA
Não achas que teria havido uma altura no desenvolvimento da espécie humana em que tenha surgido uma mudança de comportamento que deu origem às emoções?
VARETT
Explica-te melhor!
MANDALA
Parece-te que os homens surgiram sobre a face da Terra já possuidores de emoções? Ou estas surgiram depois de o homem ser homem?
VARETT
Por uma ordem lógica, as emoções surgem depois.
MANDALA
E a educação das emoções também é posterior?
VARETT
Há sempre emoções novas a surgirem.
MANDALA
Óptimo, quer dizer que as comunidades vão dando origem a novas emoções quando se desenvolvem.
VARETT
Parece que já fizemos referência a isso.
MANDALA
As emoções velhas morrem?
VARETT
Quando são substituídas por novas.
MANDALA
Dá exemplos!
VARETT
O terror que antigamente os raios transmitiam aos homens. Hoje, com os conhecimentos científicos sabemos o que eles são. Metem respeito, mas a emoção inicial reformou-se.
MANDALA
Se as emoções vêm e vão, por onde entram e por onde saem?
VARETT
Que raio de pergunta! Responde tu, já que tudo para ti é matéria.
MANDALA
Matéria não! Esmate sim!
VARETT
Já me tinha esquecido.
MANDALA
Um dia a ciência responderá a isso.
VARETT
Costumas responder dessa maneira quando não sabes dar saída às tuas próprias invenções.
MANDALA
Sabias que os bebés quando ainda estão na barriga das mães reagem emocionalmente e que a ciência detecta algumas das emoções?
VARETT
Que grande mentira!
MANDALA
Nada disso! Os cientistas da área já publicaram factos em revistas da especialidade e existem documentários filmados sobre o assunto e assistidos por comentadores da especialidade.
VARETT
Vá lá.. Mas em ordem à tua maneira de pensar a própria ciência está na matéria, perdão no esmate. E isso quer dizer que se torna impossível uma leitura de fora para dentro porque tudo está dentro...

Amanhã: inconclusão...

Wednesday, September 06, 2006

 

ESMATE
Continuação do dia 4 de Setembro de 2006

VARETT
É parecido com a actuação inteligente, embora como disse a planta não utiliza a inteligência. Não a tem!
MANDALA
É como ser inteligente sem o ser. Coisa esquisita.
VARETT
A planta actua inconscientemente. Os animais actuam por instinto. É quase parecido.
MANDALA
Se os animais são produto da evolução da matéria e actuam conforme a natureza, quando fazem meiguice aos seus semelhantes, foram ou não foram ensinados para tal?
VARETT
Isso de meiguices já nasce com eles.
MANDALA
Não te esqueças que eles são o produto da evolução da matéria. Estão próximo dela (respeitando o tempo da mesma evolução, claro!).
VARETT
E depois, que tem lá isso?
MANDALA
A matéria é que os ensinou a serem meigos, a fazerem namoro?
VARETT
Não, que disparate! Aprendem com eles mesmos.
MANDALA
Quer dizer que sem saberem nada sobre meiguices, namoros, etc., eles de um dia para o outro surgem aprendidos?
VARETT
Isso é complicado. Que sei eu sobre tal?
MANDALA
Se não sabes, não inventes.
VARETT
Isso é o que tens feito durante toda a nossa conversa.
MANDALA
Refiro-te factos e peço-te apenas que deduzas. Se o não fazes como eu, paciência. Pensar é-nos comum. Estar de acordo é outra coisa e ainda bem.
VARETT
Também acho!
MANDALA
Como é que sabes que tens sede, calor, etc.?
VARETT
O meu organismo avisa-me.
MANDALA
E os animais como é que sabem que têm sede?
VARETT
Deve ser pelo mesmo processo.
MANDALA
Portanto, tu tens sede sem reflectir. E penso que os animais também.
VARETT
É natural!
MANADALA
Quando defecas não reflectes?
VARETT
Reflicto se devo ou não defecar. Isto é, depois de ser “avisado”. Não vou fazer cocó no meio da rua, como é óbvio. Não sou animal!
MANDALA
Os animais fazem cocó logo que o organismo os avisa. Porém, o meu cão não é assim.
VARETT
Ficas surpreso?
MANDALA
Não, ele aprendeu!
VARETT
ao animais aprendem como ao homens, embora ofereçam certos limites de aprendizagem.
MANDALA
Nisso estamos de acordo,
VARETT
Os animais aprendem. E as plantas não aprendem a defender-se?
MANDALA
Com quem?
VARETT
Com a experiência da vida.
MANDALA
E essa experiência leva-as a modificarem o seu comportamento. Tenhamos a honestidade em admitir que ao menos houve uma mudança coerente de comportamento.
Continua amanhã.

Monday, September 04, 2006

 

ESMATE
Continuação do dia 3 de Setembro de 2006

VARETT
Que disparate! Ela obedece a um processo próprio buscando o equilíbrio aqui já referido.
MANDALA
Não te vou dar exemplos de animais, pois eles abundam na história natural. Vou referir o mundo das plantas. Quando certas árvores são sujeitas à extinção mercê de serem exaustivamente comidas pelas girafas, as árvores produzem um tipo de ácido que limita a acção dos animais. E estes deixam as árvores em paz. Não achas que houve um acto pensado à maneira das plantas?
VARETT
Outro disparate! É a natureza das plantas a actuar, tendo em conta o equilíbrio que lhes trará a sobrevivência.
MANDALA
As árvores têm alma?
VARETT
Outro disparate!
MANDALA
Embora não pensem nem tenham alma como tu dizes, elas actuam como se pensassem e tivessem alma.
VARETT
Lá actuar, actuam. E é só.
MANDALA
Até parece que são racionais!
VARETT
Outra asneira!
MANDALA
Se fosses uma árvore sujeita à extinção não procederias conforme a natureza se pudesses?
VARETT
Claro!
MANDALA
Eu fiquei esclarecido com a tua lógica. E agradeço a tua boa vontade em continuares este papo.
(A conversa foi interrompida para irem comer lapas da Madeira vendidas em São Miguel como se fossem da Caloura...)
MANDALA
Ficámos de acordo quanto às actuações “daquilo” que não tendo alma nem pensamento como sendo actos que podem ser copiados por aqueles que possuem alma e pensamento.
VARETT
É aceitável!
MANDALA
O que é que está mais próximo da matéria em termos da sua evolução, o homem ou as plantas?
VARETT
As plantas devem ter sido anteriores aos animais. Pelo menos assim falam os cientistas.
MANDALA
Provenientes da matéria que chamas bruta?
VARETT
Sim. Até o Pierre Chardin aceita o evolucionismo. Porém, acredita na mãozinha de Deus.
MANDALA
Ao actuarem daquela maneira, as plantas demonstram inteligência?
VARETT
Inteligência não! A sua actuação tem como objectivo sobreviver.
MANDALA
Essa actuação é estúpida?
VARETT
Não!
MANDALA
Não sendo estúpida, estará na linha do que é inteligente ou do que não é inteligente?
Continua amanhã, dia 5 de Setembro de 2006

Sunday, September 03, 2006

 

ESMATE... continuação do dia 2 de Setembro de 2006

VARETT
Como é possível transformar a matéria bruta numa emoção? Esta questão requer uma construção lógica para podermos continuar com estes diálogos.
MANDALA
O homem é historicamente posterior ao aparecimento da matéria. As emoções, a consciência e a independência do Eu são por conseguinte também posteriores. Quanto a uma construção lógica, o que penso é que a lógica humana é a lógica humana. Vejamos o seguinte exemplo: quando um homem que não sabe nadar é posto numa situação de naúfrago, embora esbraceje muito vai parar ao fundo. Aquele que sabe nadar, para ir ao fundo, tem de esbracejar e muito. Dir-se-á que é tudo uma questão de aprendizagem. No primeiro caso, a ignorância fá-lo ir parar ao fundo. No segundo, é a sabedoria. Para se ir parar ao fundo é necessário ser-se ignorante e sábio, conforme o contexto. É a lógica humana... E é ajudado por ela que vou tentar responder-te.
VARETT
Despacha-te, então!
MANDALA
No corpo humano encontramos terra, água, fogo e ar?
VARETT
Certamente, que novidade!
MANDALA
Num corpo humano saudável, estes elementos estão ou não em harmonia?
VARETT
Sim, estão em harmonia!
MANDALA
No nosso planeta, estarão em harmonia estes elementos?
VARETT
Em geral, sim! Embora haja lugares onde o fogo domina por inteiro e assim sendo quebra-se a harmonia. Nos vulcões, por exemplo.
MANDALA
Nos vulcões activos o fogo predomina. Talvez tenham funções de descompressão, para equilibrarem a natureza a posteriori.
VARETT
Pode ser! E daí?
MANDALA
Voltemos ao corpo. Os elementos que o compõem reflectem pensamentos?
VARETT
Não, que ideia!
MANDALA
Então os elementos não precisam de pensar para se encontrarem em harmonia?
VARETT
Claro!
MANDALA
Parece-te que a harmonia é um conceito?
VARETT
SIM!
MANDALA
A natureza trabalha com conceitos?
VARETT
Não, mas o homem sim!
MANDALA
Se a natureza não trabalha com conceitos então o que é que acontece?
VARETT
O equilíbrio da própria natureza.
MANDALA
A natureza procura o equilíbrio?
VARETT
Quando o perde, sim!
MANDALA
O corpo humano quando em desarmonia pode ser ajudado por interferência do próprio homem?
VARETT
Claro, para que achas que serve a medicina?
MANDALA
E quantas vezes, sem o auxílio da medicina o próprio corpo (igual à soma dos elementos que atrás referimos) não encontra o equilíbrio adequado?
VARETT
Tantas! É nisso que reside a homeostasia.
MANDALA
Recapitulemos: o homem onde percebe e entende conceitos, os elementos constroem o equilíbrio. Por outro lado o homem também pode reconstruir o equilíbrio.
VARETT
O homem é superior, pois além do entendimento, actua como a natureza. Ao passo que esta reage automaticamente e sem pensar.
MANDALA
Quando a natureza actua procurando solucionar casos de extinção de espécies dotando-as de defesas próprias, não achas que ela (a natureza) pensou na melhor maneira de o fazer?
Continua amanhã, dia 4 de Setembro de 2006

Saturday, September 02, 2006

 

ESMATE... continuação

MANDALA
Eu costumo dialogar aproximando-me o mais possível da realidade envolvente. Procuro ver factos e se por acaso refiro factos não visíveis retirados de outros visíveis é porque creio que não há ainda laboratório que os possa materializar. Para mim o raciocínio não é nada mais do que o espimate é; e, este é a parte do esmate que mais facilmente estrutura o pensamento racional. Muitos dos corpos animados (não humanos) - que os que acreditam no espírito isolado da matéria não consideram racionais – são estruturalmente racionais. Um corpo simples animado (planta) reage à temperatura e ao perigo de extinção utilizando normas. Normas essas que são comparáveis e análogas a estratégias de seres chamados racionais. Acho que é impossível utilizar-se uma práxis racional sem pertencer à esfera da razão.
VARETT
Acabas por descobrir uma nova religião. Não passa disso!
MANDALA
Nada entendeste! O que eu pretendo é que as coisas se coloquem ao nível do pensamento humano. E as coisas são o que elas quiserem ser. Se forem como eu penso ou forem como os outros pensam, estou-me nas tintas. Dos problemas não me interessam as soluções, porque iria perder tempo depois em tentar perceber porque é que as coisas seriam solucionáveis. Era um nunca mais acabar. O esmate que se lixe e se desunhe a resolver esses problemas já que penso que é ele o segredo de si mesmo.
VARETT
E se não for?
MANDALA
Estou-me outra vez nas tintas.

Continua amanhã, dia 3 de Setembro de 2006

Friday, September 01, 2006

 

ESMATE, MATESPIR E ESPIMATE

TEXTO ESCRITO EM SETEMBRO DE 2003

VARETT
Por que razão à matéria ligada ao espírito atribuís três nomes: o esmate, o espimate e o matespir? Não é isso pior que o enigma da Santíssima Trindade católica?
MANDALA
Quando olhas à tua volta, não te apercebes do Universo?
VARETT
Claro!
MANDALA
Esse Universo que percebo tanto quanto posso, é para mim um todo composto por matéria e espírito. A minha capacidade intelectiva extrai desse Universo a matéria, os corpos, as substâncias que me afectam os vulgares sentidos e uma outra espécie de substância a que se chama espírito. Quando a matéria se me apresenta sem dificuldades de compreensão sensível eu denomino-a de matespir. Neste estado a parte espiritual tem pouca preponderância. Quando falo em espimate, quero fazer referência aos momentos que detecto o Universo revestido da parte espiritual. Denomino, assim, de espimate os pensamentos; isto é, produtos da matéria. Que estão em predomínio em relação à matéria propriamente dita. Eu não distingo a matéria do espírito – como por exemplo no estilo cartesiano. Para mim, ambas têm a mesma paternidade: o esmate. O esmate num extremo é espimate, no outro matespir.
VARETT
E o que está no meio dos extremos?
MANDALA
O mesmo que está no meio do frio e do calor. O ponto intermédio é composto de frio e de calor. O ponto intermédio do esmate é espimate e matespir ao mesmo tempo.
VARETT
Uma coisa não pode ser e não ser ao mesmo tempo. Tu mesmo defendes isso.
MANDALA
Às vezes o meu intelecto prega-me partidas. O que quero dizer, é que o esmate é constituído integralmente por espimate e matespir. Eu não consigo separá-los, por isso, às vezes, a linguagem não me dá grande ajuda. Não te esqueças que eu nunca separei o espírito da matéria. Por isso, aquilo que é composto por matéria e de espírito, pode, muitas vezes, ser mais matéria do que espírito ou vice-versa, e não deixa de ser esmate. Esmate para mim é aquilo que é: um conjunto em si. Daí a dificuldade que tu tens em entrar no espírito da coisa. (Ri-se)
VARETT
Se eu fosse o Wittgenstei diria: não fales do que não podes falar.
MANDALA
Pois, mas ele também diz que a imaginação do real tem algo de comum com o real. Além do mais eu não pretendo fazer escola. E se se der essa hipótese, que fique claro: eu sou o aluno e o mestre ao mesmo tempo.
VARETT
Olha que um tal Alan Wath disse em “A Sabedoria Eterna” que uma pessoa não se podia molhar com a palavra água. És um solipsista.
MANDALA
Dentro do esmate. E por que não? Eu sou também um outro. E esse outro está circunscrito no esmate. Tudo o que eu penso é comum ao esmate, mesmo aquilo que às vezes é difícil de digerir.
VARETT
E também és esmate?
MANDALA
Claro, numa outra dimensão de compreensão.
VARETT
Até já disseste que não podes ser expulso do Universo, nem mesmo obrigado.
MANDALA
Sim, é dentro do esmate que estou e por isso também sou esmate.
VARETT
Então, se o esmate dá origem ao espimate e este reflecte sobre aquele, podemos retirar o seguinte pensamento: o esmate reflecte-se a si mesmo por prolongamento. Se o esmate tem em si o embrião da reflexão por que razão ele não se ficou nele mesmo? Se tudo é esmate, para quê tomar formas para se entender a si próprio, se ele é entendimento de si próprio? Há o materialismo dialéctico e agora inventaste o materialismo estúpido!

Continua amanhã, dia 2 de Setembro de 2006

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